Prólogo

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Lá vem ele! Ai, meu Deus, é agora! Se acalma, Ágata! Ai, ele pegou o papel! É agora! É agora que finamente vou começar meu feliz para sempre ao lado do amor da minha vida!

Passara a noite anterior inteira deitada de bruços na minha cama (com os pés no travesseiro, porque acho que penso melhor do lado contrário da cama) com o papel vermelho em uma mão e mordendo a ponta de uma caneta azul que se encontrava na outra, sorrindo toda apaixonada e mordendo os lábios ao me lembrar de Daniel! Ele era o cara mais lindo do mundo! Tinha a pele clara como a luz do sol pela manhã, seus cabelos eram lisos e negros cortados em um corte que caía perfeitamente em seu rosto, seus olhos eram puxados pelas descendências orientais e seu sorriso perfeito!

Suspirei ao lembrar dele novamente e deitei de costas na cama (do lado certo dessa vez) agarrando a carta em meu peito e olhando para o teto sorrindo sozinha.

Às vezes eu me surpreendia em como meu quarto era a minha cara! Todo azul (minha cor favorita), exceto os móveis que eram brancos, na parede haviam centenas de pôsteres de meus artistas favoritos e um violão, um pouco desgastado já, era do meu pai, e antes era do pai dele, então dá para imaginar que não estava em seu perfeito estado... E claro, tinha o teto! Eu mesma havia pintado uma galáxia inteira nele e o resultado ficou muito bom. Eu amava aquele teto!

Mas voltando a carta...

" Seu sorriso,
Não quero parecer clichê,
Mas a cada dia mais por ele me fascino,
Me fascino mais por você.

Seus olhos,
Você sabe como são lindos,
Me fazem enxergar além desses rótulos,
São como ver um show de fogos de artifício.

Seu jeito,
Como uma hora me faz te amar,
E alguns segundos depois te odeio,
Me enlouquece, me faz surtar.

Seu toque,
Suave como manhã de domingo,
Ao mesmo tempo forte como um choque,
Mistura de aspereza com carinho.

Sua voz,
Acalma mais que nossa música preferida,
Espanta de mim todo sentimento feroz,
Cura até a minha mais profunda ferida.

Enfim,
Tudo em você me faz te amar,
Não é perfeito, mas é perfeito para mim,
Até mesmo seus defeitos conseguem minha vida iluminar.

Por isso te pergunto, quer comigo namorar?

- Ágata"

Em minha humilde opinião, era impossível alguém recusar esse pedido depois de uma carta dessas!

Mas minha humilde opinião estava bem errada...

Assim que cheguei a escola, fui direto ao armário de Daniel e passei a carta pelas fresta da portinha azul de metal com furinhos.

Estava usando minhas melhores sandálias, uma jardineira jeans bordada de girassóis e uma camiseta amarela. Além disso, também estava com uma tiara de girassol que ficava simplesmente perfeita no meu cabelo negro e cacheado. Resumindo, estava vestida para causar!

Ele se aproximou do armário. Abriu. Pegou o papel nas mãos. Meu Deus, eu até conseguia escutar meu coração de tão forte que ele estava batendo dentro de meu peito, minha expressão totalmente esperançosa.

Ele terminou de ler, porém sua expressão continuava neutra, achei aquilo estranho, mas não me abalei, sabia que ele viria falar comigo!

Uma aula. Duas aulas. Três aulas. Almoço. Mais uma aula. E outra. Mais outra. A última...

Estava recolhendo minha mochila do chão com a expressão abalada, minhas esperanças esgotadas. Mas então vi sua sombra. Me levantei virando para ele em um pulo com um sorriso nos lábios.

- Eu vi sua carta...

- Sim? - perguntei esperançosa.

- Você daria uma ótima escritora! - ele disse rindo.

Não conseguia conter minha felicidade! Tudo que queria era agarrar seu pescoço e beijar seus lábios carnudos!

Ele mexeu no cabelo nervosamente e desviando o olhar para o chão disse:
- Mas... Não quero namorar com você. Não me leve a mal, você é super gostosa! Mas... Você sabe... Não quero ser o cara que vai tirar sua virgindade. É muita responsabilidade!

Eu estava incrédula e disse extremanente irritada:
- Que negócio é esse de tirar minha virgindade?

Ele pareceu ainda mais nervoso e começou a estalar os dedos sem jeito.

- Todos sabem que você nunca nem beijou, Ágata. Você é linda e gostosa, mas nenhum cara quer arriscar ser seu primeiro, ia deixar o negócio muito sério...

Estava revoltada com aquelas palavras.

- Primeiramente, linda e gostosa? É sério? Você só sabe falar isso? Eu sou a mais inteligente da turma, sou talentosa e uma ótima conselheira! Tem muito mais coisas em mim do que a aparência... E outra, quem falou em sexo? Eu não estou pronta para isso ainda, tenho só dezesseis anos, vou ter muito tempo para isso!

- Namoro sem sexo? Não vai rolar, gata. Em que mundo você vive?

Estava bufando e com as sobrancelhas apertando meus olhos, sem dizer mais nenhuma palavra, peguei minha mochila amarela como minha roupa e saí da sala de aula pisando forte sentindo que se ficasse mais um segundo ali iria esmurrar aquele garoto.

Cheguei em casa e antes que conseguisse subir para meu quarto fui interceptada pela minha mãe preocupada com minha cara de choro.

- Daniel? - disse ela com um tom misto de simpatia e "eu te avisei" que só as mães têm.

Afirmei com a cabeça, lágrimas desiludidas escorrendo por meus olhos.

- Vem cá! - disse ela com aquela expressão típica de amor materno me envolvendo em um abraço.

Meu pai adentrou a sala nesse instante.

- Daniel?

Eu e minha mãe confirmamos com a cabeça em uníssono e ele se juntou a nós no abraço.

Éramos muito unidos, apesar de pobres em dinheiro, éramos muito felizes pela nossa riqueza em amor.

Minha mãe era uma mulher negra e baixa extremamente linda (apesar de nunca notar essa beleza em si mesma), era dona de casa, não por opção, ela não teve a oportunidade de estudar quando jovem, então ficou muito difícil encontrar um emprego que a aceitasse, o que eu achava um absurdo, porque minha mãe era a pessoa mais dedicada e inteligente que eu conhecia.

Meu pai era negro, alto e tinha os cabelos envoltos em dreads, seus olhos e boca incrivelmente idênticos aos meus. Era artista de rua, tocava de tudo, desde órgão até berimbal e era extremanente talentoso, mas por causa de nossa situação financeira, ele tinha pouquíssimos instrumentos, eram muito caros.

Ambos eram muito jovens, eram adolescentes quando eu nasci, mas isso não os torna nem um pouco irresponsáveis, pelo contrário, são os melhores pais que existem!

- Eu oficialmente desisto de amar!

As luzes piscaram quando eu disse isso.

- Ah, não! Só falta eles cortarem a luz de novo!

Minha mãe estava com a expressão cansada. Era a terceira vez só naquela semana.

Uma flecha no coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora