capítulo 16

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O café era algo que dava certo trabalho para branca, parecia que a cada dia os homens da casa estavam mais a vontade para lhe fazer pedidos especiais, e isso a ocupava por mais ou menos duas horas antes do sol erguer-se por completo. As vezes ela se pegava quieta apenas sentindo o cheiro do orvalho perto de um canteiro com algumas galinhas e legumes recém plantados, não havia nada de extraordinário na visão que presenciava quase todas as manhãs. Mas, as vezes... e só as vezes.. - calma garota - seus dedos percorreram a crina do cavalo. - vamos... - branca se permitia fugir de sua realidade. 

Montando a egua a garota cavalgava pelos bosques pouco claros, quando mais sentia os músculos do lindo animal se debaterem abaixo de si, com o vento gélido em seu rosto, mas desejava ter velocidade. 

No fim da pequena aventura, ela voltava com o raiar do sol, tempo suficiente para por a mesa, e treinar como se nada tivesse acontecido. 

Mas não naquele dia. 

- eu sei querida... eu sei..- ela guiava a egua escura como a noite para a Baía. Sentindo o calor do lindo animal, branca encostou a testa em seu pelo quente inspirando profundamente. - como chegamos a isso? - acariciou o pelo macio e dessa vez a levou para um passeio tranquilo nas proximidades. Era um risco sair de dentro dos limites estabelecidos por Deniel, mas ninguém a reconheceria vestida como um homem. 

O passeio não durou muito, pois antes do nascer do sol ela já estava de volta à casa, apenas sentindo o aroma do pão que cheirava no forno. 

Quando criança se alguém lhe perguntasse o que ela gostaria de ser, a resposta era sempre a mesma. 

Uma guerreira. 

Os anos haviam passado, e o mais alto que havia alcançado seria um tacho enorme em um cozinha pequena. 

- acordada tão cedo? - Charles lhe apontava o canivete. - você saiu com a matrona outra vez... - a menina apenas olhou por sobre o ombro. 

- bom dia Charles. - pós o pão ainda dentro da forma sob a mesa. - sim, eu caminhei um pouco com a matrona... ela bebeu um pouco de água e comeu um pouco também. - seus olhos estavam fitos no pão ainda quente. 

- hum... tome cuidado garota. Não sabe as maldades que a vadia da sua mãe  fari...

- ela não é minha mãe. - o olhou fixamente. - ravena não é  nem nunca será minha mãe.  - branca se voltou para uma das facas sob a mesa e se colocou a fatiar o pão. - posso fazer uma pergunta Charles?...

O homem girava seu canivete entre os dedos. As roupas velhas e limpas mostravam traços de alguém em sua juventude porém fatigado pelo tempo. - não. 

Sua resposta a fez sorrir. - você a amava?  - branca continuou a fatiar o pão. - falo da sua esposa.- apesar de não saber qual seria a reação do homem a sua frente a garota prosseguiu. - ela deve ter sido uma mulher extraordinária. - ergueu os olhos de forma suave, ainda mantinha um sorriso doce nos lábios. - passei por uma árvore no lado leste... perto do riacho. - o homem a encarava quieto. - eu não quero irrita-lo ou algo assim, só gostaria de dizer que... eu sinto muito. - branca serviu uma fatia de pão para o homem calado a sua frente.  - espero um dia sentir a metade do amor que ela tinha por você Charles. - segurou sua mão levemente - obrigado por me ensinar a atirar facas.. - Charles demorou um pouco para aceitar o agradecimento, mas no fim assentiu com a cabeça. 

- vejo muito dela em você garota. - sorriu mais para si mesmo.- nós cravamos nossas iniciais naquela árvore de jasmim a muito tempo.- suspirou. - depois do jantar... vamos ver essa pontaria. - ergueu-se e apontou. - se você...

- eu sei, me mata com seu canivete. - branca sorriu deixado as bochechas coradas. - tome seu café Charles... 

...

- juro a você que quando Deniel me falou sobre seu cabelo eu quase o soquei bem naquele nariz de batata. - Julia ria cortando algumas verduras. - você mudou menina... você mudou muito.

Sorri. - ser um homem tem suas vantagens - dei de ombros. 

Em sua mente branca lutava contra o impulso de perguntar sobre a noiva de Sebastian. E como Julia não cansava de falar sobre a aldeia e a festa de primavera, branca achava mais pertinente se manter de boca fechada. 

Vez ou outra Julia a visitava, nunca ficava para o jantar, mas a ajudava a prepará-lo. Para branca aquilo era um alívio, evitar o silêncio.  

Por noites ou talvez dias, tudo o que tinha em sua cela era o completo silêncio. E as vezes isso era um inferno, que só aliviava sua dor quando algum ruído de algum rato percorria em algum lugar da cela. 

Não que ela odiasse ratos e pássaros,  mas evitava tê-los por perto. 

- ..estávamos tão ansiosos para o festival, e eu acho que você devia ir. - sorriu balançando os cachos escuros que desciam até suas costas. - então? 

- então o que? - ela piscou. 

Júlia olhou para os lados - vai ao festival? 

Branca sorriu - oh... eu não sei. Talvez seja muito arriscado... - havia riscos de fato, a verdade era que as únicas vezes em que havia estado entre tantas pessoas, ainda se encontrava muito criança. E quase não sentia a falta de tudo aquilo - eu não sei se poderia...

- bobagem branc... molly! - tocou na testa outra vez. - eu vou ter que me acostumar a esse nome. E pra dizer a verdade, de onde o tirou? 

A garota suspirou - é da minha mãe. 

- entendo. - mordeu os lábios - você vai a esse festival, nem que eu precise brigar com aquele cabeça dura ! - prendeu o riso. 

- eu não sei Julia.  

Suas mãos bateram na mesa levemente - oh.. vamos, não é uma orgia molly! É a festa das flores.. - sorri. - se Deniel deixar... você vem, certo? - cocei o queixo - que mal há em dançar um pouco e...  ver flores?

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