Capítulo 36

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Entro no carro e sigo pelas ruas vazias, com os olhos fixos no asfalto, mas com a mente perdida em um abismo. Isso só pode ser uma piada cruel... Quem aquele cara pensa que é? E por que, meu Deus, por que Hinata não me contou quem ele era? Que inferno...

O celular vibra no banco ao lado, um número desconhecido se exibe na tela, insistente. Não atendo. Não posso. Não consigo. A raiva e o ciúme me dominam - palavras pequenas demais para o que sinto agora. Odeio admitir, mas estou tomado por esse sentimento corrosivo. Ciúmes. Do loiro desbotado, de olhos claros demais, corpo esculpido demais... e um olhar que exala uma confiança que eu nunca soube ter. Me senti pequeno diante dele. E essa ideia me devora.

Suspiro, apertando o volante até os nós dos dedos ficarem pálidos. Não devia ter agido daquela forma com Hinata... eu sei, eu sei. Mas meu orgulho... Meu maldito orgulho.

O telefone vibra novamente. O mesmo número. O mesmo incômodo. Desligo sem olhar.

Entro na garagem do prédio, matando o motor do carro como quem sufoca um grito. Saio, sigo até o elevador, e mais uma vez, o número me chama, como uma voz invisível puxando pela gola da minha camisa.

Respiro fundo. O elevador sobe. O celular vibra outra vez. Cansei. Atendo.

- Quem é? - minha voz sai ríspida, como se pudesse afastar o que quer que seja.

Silêncio. Depois, aquela voz.

- Não se lembra mais de mim, Sasuke? -

Congelo. Não... não pode ser.

- O que você quer, Sakura? - o nome arranha minha garganta como vidro quebrado.

- Podemos conversar? - ela diz, calma, como se o tempo não tivesse passado, como se nada tivesse acontecido.

- Não. Não tenho nada pra falar com você. - E desligo, como quem tenta cortar o fio que me liga a tudo que eu quero esquecer.

Encosto a cabeça na parede do elevador, o peito subindo e descendo com dificuldade.

- Que merda tá acontecendo? - murmuro.

As portas se abrem e, ao levantar os olhos... lá está ela.

Parada diante da porta do meu apartamento, como se nunca tivesse partido. Como se o tempo tivesse congelado naquele instante miserável.

Ela sorri, de canto, aquele sorriso que um dia me desmontou, mas que agora só me revolta.

- Que merda você está fazendo aqui? - disparo, sem me conter.

- Preciso falar com você - responde, serena, como quem não sabe o caos que provoca.

Minhas mãos tremem. O coração parece escapar pela garganta. Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto.

- Não tenho nada pra te dizer. Vai embora - digo, abrindo a porta, tentando escapar. Ela segura meu braço.

- Por favor, Sasuke...

- O que você quer, hein? O que realmente quer, Sakura? - pergunto, encarando aqueles olhos verdes, outrora tão fascinantes, agora apenas opacos de passado.

Ela baixa o olhar, os lábios trêmulos.

- Eu... estou com saudades...

Sinto o sangue gelar, depois ferver, num ciclo vicioso. Ódio. Repulsa. Desprezo. E, por baixo de tudo, aquela dor velha que pensei ter enterrado.

- Que merda você acha que está falando? - grito. - O que você acha que vai conseguir me dizendo isso? -

Ela dá um passo atrás, assustada com a fúria que mal consigo conter.

- Acha que sou um palhaço? Um idiota?

Suspiro, com o peito apertado demais para suportar o ar. Claro que fui um idiota... mas não permito que ela me faça parecer ainda mais.

- Só queria falar com você... é pedir demais?

- O que mais tem pra dizer? As mesmas merdas que o Naruto?

Ela muda o tom, tensa:

- Você... falou com ele?

- O que isso importa? - corto, gélido.

- Só preciso te dizer uma coisa... e prometo, nunca mais vou te procurar.

Me encosto na parede, exausto.

- Fala logo.

Ela hesita. Respira fundo.

- Podemos ir a um café?

Dou uma risada amarga.

- Isso aqui não é um encontro, Sakura. Não somos amigos. Não somos nada. Fala logo.

Ela fecha os olhos por um segundo, como quem se prepara para pular de um penhasco.

- Lembra... daquele dia? O dia em que terminamos?

Como se eu pudesse esquecer. O dia em que perdi tudo - inclusive a mim mesmo.

- Vai direto ao ponto.

Ela engole seco.

- Acontece que eu... - hesita, as palavras pesando demais para sair.

- Fala logo, porra! Que mais aconteceu naquele dia? Além de você ter trepado com o meu amigo?

Ela baixa a cabeça, envergonhada, diminuída.

- Fala! - grito, com o ódio corroendo minha garganta.

- Eu engravidei! - explode, e o mundo, de repente, parece perder o chão.

Fico sem ar. Sem força. Sem vida.

- Preciso que você me diga onde está o Naruto... - completa, enquanto eu, pálido, só consigo olhar, como quem encara o próprio túmulo. - Ele precisa saber que é pai.

- Você... teve o bebê? - minha voz mal sai.

Ela apenas acena com a cabeça, os olhos marejados.

- Ele precisa assumir. Tem que ser responsável...

A raiva me consome. Não há mais espaço para qualquer outra coisa.

- E o que eu tenho a ver com isso? - minha voz é mais fria do que nunca.

- Como assim?

- O que isso tem a ver comigo? Nada! Isso é entre você e aquele filho da puta! Eu não tenho nada a ver se você resolveu se deitar com ele e engravidou! - explodo, sem filtros, sem freios. - Não tenho nada a ver com o fato de você ter sido uma vadia e ter se envolvido com o meu melhor amigo!

Ela chora. Mas eu não me comovo. Não mais.

- Sasuke... só me diz onde ele está... - soluça.

- Eu não sei! E nem quero saber! Quero que vocês dois se fodam! - grito, abrindo a porta do meu apartamento e batendo com força.

E então... o silêncio.

Só eu e o meu peito, arfando. Só eu e as malditas lágrimas, finalmente escapando, traidoras.

Encosto as costas na porta, escorrego até o chão.

- Que porra é essa...? - sussurro, enquanto o coração pulsa como quem quer explodir.

Isso só pode ser um pesadelo.

- Acorda, Sasuke... acorda dessa merda.


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