O trânsito de São Paulo já é naturalmente parado, porém ele estava estático naquele começo de noite de 31 de dezembro. Tentar se locomover de carro pela cidade era loucura, então as duas mulheres andavam pelas ruas quentes da capital a pé mesmo. Os saltos que a advogada planejava usar naquela noite foram substituídos por tênis confortáveis, mas isso não a incomodava nem um pouco. Estava maravilhada demais com a beleza da selva de pedra naquela noite tão especial pra se importar com o calçado que usava.
Ambas concordaram em passar a virada na Paulista. Era o primeiro Ano Novo da capixaba em São Paulo, então por que não celebrar da maneira mais paulistana possível?
A loira já tinha ido no show da virada duas vezes e lembrava de ser um experiência incrível, então imaginou que Gizelly iria gostar. Elas eram muito diferentes, isso não dá pra negar, mas haviam começado a descobrir em que se pareciam - e essas semelhanças seriam o ponto de partida da investida de Marcela. A veterinária estava determinada a fazer ela e a advogada darem certo. O medo existia, mas a vontade de fazer acontecer era maior.
Estavam a apenas alguns quarteirões da avenida em que passariam a maior parte da noite quando decidiram parar pra comer alguma coisa. Compraram dois cachorros-quentes num carrinho pelo qual passaram. Gizelly achou o purê no lanche menos intragável do que imaginava que seria, mas definitivamente não era seu acréscimo preferido ao prato. Ela e a veterinária entraram numa discussão calorosa sobre cachorro quente com purê, pois Marcela defendia o modo de preparar o cachorro quente paulistano com unhas e dentes. Entraram num consenso de concordar em discordar – pelo menos por enquanto – e seguiram seu caminho.
Quando enfim chegaram em seu destino, o local estava tão cheio que a locomoção, mesmo a pé, se tornava impossível nas áreas mais próximas ao palco e aos telões que estavam espalhados por toda a avenida. A aglomeração assustou a advogada num primeiro momento, mas assim que a loira a puxou pela mão pro meio da multidão o medo sumiu, pois sabia que enquanto estivesse com a outra mulher ali ela estaria segura. Foram se espremendo por entre a maré de gente até chegarem num ponto que era tanto suficientemente perto do grande palco, que estava localizado entre as ruas Haddock Lobo e Bela Cintra, quanto confortável para se ficar. Tiveram sorte de chegar no intervalo entre dois shows. As pessoas ficavam mais dispersas nas pausas, e isso foi uma mão na roda para as duas mulheres acharem um bom lugar para ficar.
Conforme as horas iam passando a temperatura ia caindo, porém era impossível sentir frio já que estavam no meio de uma multidão que não parava de pular e comemorar. Uns comemoravam as conquistas que tiveram no ano que se ia, outros comemoravam o fim de um ano ruim, mas independente da motivação, era um momento de euforia altamente contagiante. A advogada cantava as músicas a plenos pulmões, mesmo errando as letras, e a veterinária não ficava trás. Elas cantavam, riam, pulavam, viviam o momento da melhor maneira possível. As horas pareciam minutos e quando se deram conta a contagem regressiva dos últimos dez segundos do ano já estava estampada em todos os telões que haviam ali. Toda a energia do lugar se transformou em ansiedade enquanto o coro de vozes retumbava a contagem regressiva.
Gizelly tirou esses dez últimos segundos do ano para agradecer tudo que havia conquistado em tão pouco tempo. Só ela sabia o quanto havia ralado para conseguir tudo que almejava, porém a advogada acreditava que gratidão nunca é demais. Tinha seu apartamento, seu carro, seu emprego, amigos incríveis e Marcela. Marcela poderia ser incluída na categoria de amigos incríveis, mas Gizelly sabia que ela era muito mais do que isso. Ela era seu destino.
Marcela, por sua vez, usou esses últimos dez segundos para esvaziar sua cabeça de qualquer cobrança ou preocupação. Tudo que importava no momento era gritar os números juntamente com o resto da multidão.
— Feliz ano novo! — As duas gritaram juntas, e em seguida seus olhares se chocaram.
Os barulhos ao redor foram abafados, e por um milésimo de segundo, tudo que conseguiram sentir foi a presença uma da outra. Sem cerimônias, Marcela puxou a morena pela cintura e juntou seus lábios. Gizelly, ainda meio perdida por conta do movimento repentino, apenas enrolou seus braços ao redor do pescoço da loira. Ficaram alguns segundos apenas encostando os lábios, até que Gizelly deu abertura para Marcela aprofundar o beijo. A explosão de cores que ocorria sobre suas cabeças parecia uma representação poética do que acontecia dentro de cada uma delas, as borboletas transformadas em fogos de artifício.
Quando o ar se fez necessário separaram suas bocas, mas a advogada não tardou em uni-las novamente assim que retomou seu fôlego, colando mais o seu corpo com o da veterinária. O ato inesperado arrancou um sorriso de Marcela durante o segundo beijo, que era sem dúvidas mais voraz que o primeiro.
Finalizaram o contato, mesmo que a contragosto, com uma sequencia de selinhos dados pela loira. Finalmente separaram seus rostos, mas nenhuma das duas ousou mexer um milímetro sequer para fora da posição em que estavam. Abraçadas, olharam o show de pirotecnia que cobria o céu. Não falaram nada, apenas curtiram o momento e a companhia uma da outra. E apesar de toda a euforia que as circundava, estava tudo muito calmo; e assim era a relação das duas mulheres: leve, pacífica e aconchegante.
Quando o show de fogos acabou, a música voltou a ressonar pelas caixas de som da Avenida. Era uma música animada, porém as mulheres optaram por dançar num ritmo mais lento, agarradinhas, curtindo em seu próprio mundinho. Gizelly, que tinha sua cabeça até então escorada no colo da veterinária, se afastou ligeiramente do corpo da loira para ver seu rosto. O calor do toque fez falta quase que instantaneamente, mas ao ver o sorriso da mulher a sua frente seu coração se aqueceu novamente.
— Acho que essa é a primeira vez que eu fico verdadeiramente sem palavras. — A capixaba comenta e a loira morde o próprio lábio, contendo um sorriso bobo.
Marcela dá mais um selinho na morena e a gira, aumentando o ritmo da dança e fazendo a capixaba rir. Não dançavam bem ou graciosamente, mas se divertiam no processo e era isso que importava. E assim passaram o resto da noite, dançando e se divertindo, como crianças. Só deixaram a avenida quando o sol começou a despontar a leste, por volta das seis horas da manhã.
As primeiras horas do ano não poderiam ter sido melhores, pensou a capixaba, e acho que é com essa mulher que eu quero passar todas as outras.
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see you again
FanfictionHá quem diga que nós viemos a esse mundo com um propósito, seja ele social, próprio, ou até mesmo amoroso. Mas o que acontece se você não conseguir atingir seu objetivo? Será que temos uma segunda chance? Gizelly Bicalho já viveu uma vez, porém sent...