Elena estava deitada na cama pensando no veredito que lhe foi dado. O médico falara que o câncer havia a vencido e que sua morte estava próxima, só não disse o quanto. Poderiam ser minutos, horas, dias, porém não passavam de semanas e disso ele estava certo.
O ambiente estava silencioso, pois a mesma pediu a sua família e amigos que não a fizessem companhia. Compreendia que muitos iriam querem passar alguns últimos momentos com ela, e que poderia estar sendo extremamente egoísta, mas de seu ponto de vista o ato mais egoísta que ela poderia ter seria recebê-los e tornar sua ida uma atração. Também tentava não pensar muito neles durante as horas vagas. Elena os amava mais que tudo e gostaria de lembrar deles caso haja algo após a morte, ela só não gostava da ideia de passar seus últimos momentos de vida pensando no passado. Elena sempre foi alguém que vive o presente, e assim seria até sua morte.
Ela encarava o teto, pensando quanto tempo teria antes de não mais respirar. Ficava imaginando qual seria a sensação de não mais ter um pulmão cheio de ar, ou como seria sentir a sua visão e outros sentidos irem se esvaindo. Se veria a luz no fim do túnel como falam ou se tudo só se tornaria um infinito breu. Não era religiosa, porém agora se perguntava se iria pro céu ou inferno. Nunca foi uma má pessoa, mas suas ações estavam longe de ser merecedoras do paraíso, então apenas concluiu que o purgatório seria seu destino nas circunstâncias ideais. Também cogitou reencarnar, porém logo descartou a opção pois não há nada que a faria retornar para esse mundo que tanto a fez sofrer. Teve suas alegrias, óbvio, porém a dor sempre deixa mais marcas que os momentos de felicidade.
A única causa que seria capaz de tornar a volta menos dolorosa a Elena tinha nome e sobrenome, e era a única pessoa que ela não proibiu de a visitar - embora ela nem mesmo tenha chegado a receber o convite. Quando Carla entrava em jogo, Elena deixava de se importar se estava pensando no passado ou se estava sendo egoísta, porque sendo o mais sincera possível realmente não importava. É, por ela, Elena voltaria. Pena que o que quer que elas tenham tido acabou antes mesmo de se concretizar, e agora tudo que restava a moribunda eram lembranças doídas de um futuro que nunca aconteceu.
Carla sempre era a exceção em sua vida. A única pessoa que a fazia ser egoísta, saudosista, ciumenta, impulsiva, e todos os outros adjetivos que ela tanto repudiava. Quando se tratava de Carla tudo era diferente, entretanto a única coisa que permanecia igual era a dor sentida ao se lembrar dos olhos castanho claro de que tanto sentia falta, aqueles malditos olhos. Eram sua primeira e última lembrança da mulher que amou como nunca amou ninguém na vida, e eram tão nítidos na memória que caso fechasse seus próprios olhos conseguiria visualiza-los sem qualquer esforço.
Elena a conheceu assim que completou 18 anos. Seus amigos combinaram de ir em um barzinho comemorar sua maioridade e Carla foi pois era amiga de um amigo da aniversariante, e no segundo em que Elena viu a loira a sua frente ela sabia que estava entrando na maior enrascada de sua vida. Sua atração por mulheres não era mais uma novidade pra si mesma, porém todos os outros a sua volta não faziam a mínima ideia. A noite em geral foi boa, mas fingir não estar interessada na loira sentada do outro lado da mesa foi um dos maiores desafios pelo qual havia passado em toda sua vida. Na hora de ir embora, viu que a mulher também já estava de saída e tomou coragem para ir falar com ela.
- Geralmente quem se apresenta é o penetra, não o dono da festa. - Elena disse fazendo a mulher levar um pequeno susto e se virar pra ela, levemente envergonhada.
- Desculpa, é que eu acabei me esquecendo. - A morena arqueou uma sobrancelha. - Não que você seja alguém fácil de esquecer... - A loira analisou a outra mulher de cima a baixo.
- Como? - Elena cruzou os braços, sentindo-se exposta.
- Eu só quis dizer que estava com vergonha. - A loira disse voltando o olhar ao rosto da morena. - Meu amigo me obrigou a vir e eu não queria causar nenhuma situação embaraçosa então fiquei na minha. - Elena analisou sua fala, em silêncio. De fato, a mulher era ainda mais bonita de perto. - Aliás, meu nome é Carla!
A loira estendeu a mão para a morena e manteve seu olhar fixo nos olhos da aniversariante. O gesto fez Elena engolir em seco e apertar a mão a sua frente fingindo que a situação não estava despertando sentimentos que ela preferia não sentir. A loira abriu um sorriso e esse foi o golpe final para a jovem adulta. Foi bem ali que ela se apaixonou, enquanto fitava os olhos castanhos claros e apertava as mãos finas e macias da universitária.
Após o primeiro contato as mulheres se viram algumas vezes em rolês com os amigos, até que Carla a convidou para ir ver um filme. Tiveram seu primeiro beijo nesse dia, na última fileira da sala de cinema. Após o primeiro encontro as mulheres ficaram cada vez mais próximas, porém ninguém sabia sobre as duas. Elena ainda era tida como hétero pelos amigos e família, e embora isso incomodasse Carla, não havia nada que ela poderia fazer a respeito. Viveram esse quase namoro às escondidas por um ano, até o dia em que Carla anunciou que viajaria para fora do país para estudar. As passagens já estavam compradas e o apartamento alugado.
Elena ficou brava porém recebeu um tapa na cara ao ouvir que ela foi a principal culpada da loira não ter um motivo pelo qual ficar. O amor de sua vida estava partindo, e o pior de tudo é que ela havia visto a mulher escapar por entre seus dedos e não fez nada. O gosto do beijo de despedida foi um dos mais amargos que Elena já experimentou na vida, e a única boa lembrança que a restou desse dia foi um sorriso dado pela loira nos cinco segundos que antecederam a fatídica notícia.
Após a partida da loira, Elena nunca mais amou novamente. Teve suas paixões, chegou até a casar-se - com um homem - porém não era a mesma coisa e ela sabia disso. Carla também seguiu sua vida no exterior. Casou-se com uma mulher, adotou filhos e chegou até a pintar o cabelo de castanho. Claro que a morena cruzava seus pensamentos vez ou outra, porém estava feliz com a vida que vivia e, ao contrário de Elena, não faria nada diferente. Carla foi capaz de amar novamente, porém tirou esse poder de Elena.
Após Carla, Elena nunca mais sentou na última fileira do cinema, nunca mais foi no barzinho do seu aniversário de 18 anos e nunca mais teve vontade de sair do país. Qualquer coisa que lembrasse a loira, que agora era morena, a causava dor e de dor ela já estava cansada.
E, apesar de tudo isso, ela voltaria por Carla. Voltaria porque dessa vez ela faria de tudo pra garantir que a mulher não partisse mais uma vez. Voltaria porque tinha certeza de que uma vida era pouco para ela expressar seu amor. Voltaria, e prometeu a si mesma que se voltasse sua única missão era reencontrar a mulher e não deixa-la ir.
E foi embalada nessas juras e promessas que Elena deu seu último suspiro. Seus pensamentos pararam de rodar e suas pupilas ficaram estáticas. Elena já não mais existia, a única coisa remanescente era seu corpo e seu amor. Um amor tão grande que, assim como ela queria, a faria retornar e cumprir o que havia prometido.
"Em uma outra vida, eu seria sua garota
Nós manteríamos todas as nossas promessas, seríamos nós contra o mundo
Em uma outra vida, eu faria você ficar
Para eu não ter que dizer que você foi aquela que foi embora
Aquela que foi embora"
The One That Got Away - Katy Perry
VOCÊ ESTÁ LENDO
see you again
FanfictionHá quem diga que nós viemos a esse mundo com um propósito, seja ele social, próprio, ou até mesmo amoroso. Mas o que acontece se você não conseguir atingir seu objetivo? Será que temos uma segunda chance? Gizelly Bicalho já viveu uma vez, porém sent...