Capítulo 5

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O inverno havia chegado em menos de uma semana, ainda não havia chegado as tempestades de neve que costumavam deixar carros cobertos e famílias entocadas em suas casas, mas estava frio o suficiente para que os lagos congelassem e era isso que agora aproveitavam.
  Ela estava com a cabeça para fora da janela aproveitando o vento forte e gelado contra seu rosto, o pequeno garoto havia insistido por dias para conseguir levar a loba para um passeio no lago mais próximos, a mãe foi a primeira a ceder, ela esperava por aquilo, como também esperava pela negação de Sebastian a levá-la para o lago congelado onde famílias iam para patinar no gelo, nada que súplicas, promessas e olhos lacrimejados não resolvessem.
  A caricia em suas costas era a melhor parte, Daniel a acariciava lentalmente e com carinho enquanto cantarolava uma de suas músicas preferidas e olhava pela janela observando a paisagem, ela amava observa-lo, nada se comparava a vista.

-Acho melhor eu pegar a focinheira...-Sebastian, no banco do motorista fala, a loba arrepia seus pelos em resposta, não havia gostado da corrente e da focinheira que emanava o cheiro de ferro novo, irritava seu focinho.

-Dê uma chance, querido!- Kaiana responde acariciando o braço do marido que balança a cabeça para os lados, totalmente rendido a esposa. O carro para e logo menino e loba estão do lado de fora pulando para todos os cantos, crianças gritam e correm para perto de seus pais que olham assustados na direção da filhote que andava animada no lado do garoto, ela ignora o olhar de todos, balançando o rabo com a maior animação que pôde encontrar em seu íntimo, inofensiva, ela deveria ser inofensiva.

-É um lobo, Sebastian?- Ela se vira com a voz desconhecida e um cheiro de encrenca que chega até ela, se sentando na neve observa o desenrolar da cena, seu garoto do seu lado. Sebastian encara o homem gordo e tarrancudo que havia parado do seu lado e com um sorriso amarelo no rosto responde.

-Essa é Flocus, a achamos a um tempo, cuidamos dela e agora ela vive conosco.

-Adotar um animal selvagem não é meio arriscado? - O intrometido põe as mãos na cintura e sorri malicioso ao completar. - Principalmente com uma criança em casa.- Ela reprime o rosnado que quase escapa de sua boca ao ver o pai de Daniel se encolher com as palavras do homem.

-Ela é completamente inofensiva, sou um veterinário, sei quando um animal representa risco,tanto para os outros quanto para minha família, principalmente para meu filho. -Rebate Sebastian e quem se encolher dessa vez é o outro homem.

-Certo. -Responde simplesmente e se afasta, Sebastian e Kaiana estão do lado de loba e garoto alguns segundos depois.

-Ignorem!- A mulher de longos cabelos pretos diz dando batidinhas gentis na cabeça de Flocus - Quando te conhecerem melhor, irão te aceitar.

-Vão sim, e se não aceitarem, eu não me importo, Flocus é minha!- A loba estremece com as palavras do garoto, a proteção e a possesividade na voz do garoto que os pais não captam faz ela esfregar a cabeça na barriga do menino, submissa, carinhosa, inofensiva, ela poderia ser isso.

-Vem, Floc! Podemos patinar no gelo!- Animada ela segue Daniel que não para quando o pai o chama.

-Daniel, ela é uma loba, como vai patinar?!- Sim, ambos ignoraram Sebastian que bufou em descontentamento, ao seu lado Kaiana gargalha alto o fazendo sorrir levemente.

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- Aquele é o grupo de roquer da cidade - Aponta com o queixo na direção de um grupo de garotos e garotas que conversavam e riam alto enquanto deslizavam pelo lago congelado- Sempre quis participar do grupo, mas não tinha idade, agora que já fiz 12 anos posso fazer o teste, espero que eu passe!- Ele sorri para a loba que solta um pequeno latido animado, ele termina de prender seu patins habilmente- Eu concordo. Tenho que treinar.

Eu não disse isso...

-Vamos garota!- Daniel toma impulso para cima, desliza levemente e se mantém firme sobre as lâminas dos patins, Flocus late e se mantém na neve, longe do gelo escorregadio, com seu fucinho indica o lago grande para o garoto.

-Sua medrosa!- Ri alto e se afasta de sua companhia, ela o observa da beira, o segue pela neve latindo de vez enquanto fazendo o garoto rir e a incentiva-la a pisar no gelo. O lago era grande o suficiente para juntar várias famílias e um pequeno caminho estreito levava para o quase congelado rio que vários quilômetros depois se abria no mar.

Ela o observava a distância enquanto prestava atenção a tudo ao seu redor, os pais de Daniel estavam sentados alguns passos atrás também  observando seu filhote com olhos atentos.

Até que ela ouviu.

Ele estava a alguns metros adiante, perto do caminho congelado que levava para o rio, era para estar congelado, mas ela ouviu o crac -baixo demais para que ouvidos humanos ouvissem- quando o menino se aproximou da borda, ela se levantou e começou a latir descontroladamente chamando a atenção de Daniel que se virou curioso pela explosão de Flocus que continuava a latir.

Saia daí! Saia!

-O que ela tem? - Kaiana se perguntou se aproximando da loba.

-Daniel, venha cá!- Chama Sebastian e o garoto desliza um pé para mais perto, dessa vez o barulho é mais alto o que faz ela latir mais ainda.

Fique parado, fique!

Mas ele não parou. Então ela disparou, suas garras rasparam o gelo enquanto ela tencionava suas pernas para que não caísse, pessoas gritavam e saíam de sua frente caindo no caminho, Sebastian e Kaiana gritavam em suas costas, mas ela não pararia, Daniel também não parou, só quando também ouviu. Ela viu em primeira mão quando o garoto parou, o corpo tenso e o olhar para baixo, para a pequena rachadura bem abaixo de seus pés que crescia devagar, como uma teia de aranha e viu quando o gelo se partiu em um CRACK  estrondoso abaixo de seu pequeno e seu corpo sumiu na fenda.

Ela rosnou e acelerou pulando sobre o buraco no gelo, os gritos ao seu redor eram mais altos, desesperados, mas ela se concentrou em só som. As batidas de seu coração estavam rápidas e desenfreadas que faziam o próprio coração da loba doer, desespero fluia em seu sangue, medo.

O começo do rio estava congelado,mas de acordo que ela seguia o coração de seu garoto, o gelo ia afinando, rachando sobre suas patas. A correnteza era forte e levava Daniel para longe dela, para mais fundo no rio, teias de rachaduras começam a se formar a cada passo que ela dava, mas ela era mais rápida e antes mesmo do gelo rachar, ela já estava em outro lugar, a sua frente o gelo não passava de uma fina camada,mais fina que papel, e, tomando o fôlego, ela pula contra a fina camada e afunda.

 ᴏ ᴜɪᴠᴀʀOnde histórias criam vida. Descubra agora