Noites claras (Em claro).

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Estou tomando meu café gelado com duas torradas com o cheiro inebriante de canela do aromatizante vindo do chão recém limpo quando meu telefone toca.

- Alô?

- Que merdas você fez? - Me surpreendo ao ouvir a voz de Michael.

- Bom dia, dormiu bem? - Dou uma risada irônica.

- Deixa de ser irônico e cresça seu pirralho! - Ele está bem exaltado. Sua voz chega a cortar meus ouvidos de forma inexplicável. Rapidamente perco meu sorriso.

- Que raios aconteceu para você ligar para mim e falar em um tom absurdo como esse?

- Por quê a Taylor Swift estava na sua casa e por qual maldito motivo o mentiroso deixou de contar? - ele fala sem dar tempo para eu me recuperar do baque. O que é chato pra caramba e de certa forma me incomoda.

- Como você sabe disso? - pergunto malucamente com medo dele já estar sabendo de tudo: do contrato, de como eu queria correr com medo dela e por diversos motivos de como minha respiração fica devagar quando estou com ela. Pela primeira vez, tenho medo do que estar por vir.

Nessa hora, a porta se abre e ele aparece andando a passos largos com o telefone em uma mão e um jornal em outra. Ele desliga a ligação e ao chegar perto de mim no balcão da mesa, joga o jornal para cima de meu prato com minhas torradas imaculadas.

- Pelo jornal, garoto mimado.

Antes de eu dar alguma tarefa de defesa, Michael vira as costas e sai. Me apresso para ler o jornal que limpo minhas mãos nas minhas calças. A manchete é bem clara:

"Taylor em casa de cantor famoso: Conciliação ou conversa furada?"


***   


O jornal rasga elogios - que apenas um jornalista poderia falar devido ao vasto vocabulário de adjetivos - para Taylor, e para mim, ele rasga o verbo. Literalmente.

Isso é terrível. Mas não poderia ficar pior. Ou talvez pode, ainda não li o tal contrato. E merda, essa mulher vai acabar me matando.

Subo para o quarto e acho a pasta no exato local onde ela o deixou noite passada. É estranha, e muito formal. Parece algo montado muito antes dela ter vindo aqui deixá-lo, assim como na primeira vez. Tem meu nome na capa com a letra dela e um elástico na direita segurando as duas aberturas. Abro-a e em grandes fontes, está escrito:

"ADVOCACIAS MURRAY S.A.

Contratos pessoais" [...]

O texto continuava até a última folha, que após virá-la, vejo que no canto da pasta, tem um pequeno clipe segurando um envelope branco. O retiro e quando abro, tem uma foto Polaroid dela, viro-a e está escrito:

"Acha que pode me dar mais uma chance?"

Respondo mentalmente apenas para o meu interior que precisa de uma resposta. Eu sei onde isso vai acabar, mesmo que agora, quem peça respostas, seja eu.


***


Acordo devagar, mesmo que o telefone tocando alto demais e faça minha cabeça latejar. Quando chego a atender, ele já parou e recomeçou a tocar duas vezes.

- Alô? - pergunto.

- Me encontre no jardim. Agora.

A linha fica muda e ao afastar o aparelho de minha orelha e olhar o visor, percebo que era Taylor no outro lado da linha. Procuro uma camisa e alguma parte de baixo e ao descer as escadas, vejo a mesma cena de ontem: a cortina esvoaçante com o espaço deixado pela porta de correr aberta. E ela lá. Mas dessa vez, não na espreguiçadeira de sol, mas deitada na grama do jardim.

Quando passo pela porta, o vento me atinge fazendo meu corpo todo estremecer, me arrepiando. Minha camisa fina imediatamente perde a briga com a brisa da lua. Piso na grama fofinha e me acostumo com as cócegas que ela faz.

E olho novamente para ela. Nada arrumada. Deitada na grama com uma cara terrível, com as roupas amarrotadas e de óculos escuros as três da madrugada. No meu jardim. Na minha casa. Procurando por mim.

Quando eu chego perto dela, não falo nada. Apenas deito ao seu lado e torço para ficarmos assim por um bom tempo. Taylor levanta os braços e cruza-os atrás da cabeça. Faço o mesmo e posso sentir sua respiração fraca quando ela finalmente fala.

- Harry?

- Sim – falo ainda meio sonolento.

- Seria tosco se você cantasse pra mim?

Me viro e olho para seu rosto. Nada mudou: braços atrás da cabeça e os óculos. Ainda, posso jurar que o que escorre pelo seu rosto pálido é uma singela lágrima. E - Ainda preocupado e aflito- falo:

- Eu sou pago para cantar. Você vai me pagar?

- Não - Ela diz entre risadas e passando uma de suas mãos na maçã alagada pela lágrima, logo em seguida, ela volta a prender atrás da cabeça.

- Qual música? - pergunto antes de ela ficar mais triste.

- Eu não sei...

- Eu amo ... Qualquer música.

Admiro o céu sob nós com uma pequena e fina nuvem que insiste em acobertar a lua de nossas visões. Quando a primeira música em que penso desenrola um fio de memórias boas, começo a cantar.

Percebo uma constelação brilhando. É como ela: longe e frustrante de tudo que eu já vi. Quando termino de cantar, apenas olho para ela. Algumas lágrimas ainda estão ali; relutantes. Me aproximo dela e tiro os seus óculos, me surpreendo ao ver que seus olhos estão fechados e que agora ela ronca baixinho.

Talvez seja apenas a escuridão do jardim, mas ela está linda. Levanto passando a mão nos shorts que uso para tirar os pedaços de grama que estão presos a mim. Me ajoelho e passo meus braços entre as pernas e suas aberturas dos braços. A levanto com facilidade. Quando passo pelas portas respiro fundo, e passo pela cozinha até as escadas, onde subo e paro em frente ao meu quarto.

Ah, como eu queria que ela estivesse acordada. Não apenas jogada e sonhando com um outro britânico em meus braços. Queria ser a primeira pessoa a vê-la, acordando, de cabelos bagunçados.

Mas não, eu não sei nem como abrir a porta. Faço uma força enorme para não a deixar cair. Assim que passo, caminho com calma com calma e assim que a deixo na cama, tiro os seus sapatos e a cubro com meu cobertor. Uma mecha cobria parte dos seus olhos. Passo meu dedo e a afastei. Meu anel gélido quase toca seu resto quente e macio.

E tudo parece calmo: ela dormindo, eu indo ao closet para pegar um travesseiro - para dormir no sofá.

Quando finalmente encosto minhas costas no sofá - que quando era usado para não dormir, não parecia tão duro - pensei que logo, logo, eu seria apenas uma música e e que ela me esqueceria. 

31 de 1989Onde histórias criam vida. Descubra agora