Capítulo 1. observador

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Quando o despertador toca, só estico o braço em direção ao celular e desligo ele. Estou acordado há alguns minutos, esperando. Nunca sei o que eu espero, mas faço isso há tanto tempo que já se tornou parte essencial dos meus dias.

Desde a infância, sempre fui considerado como alguém "peculiar". Eu observo, analiso e percebo tudo. E além de ser desse jeito, dizem que não tenho a capacidade de filtrar meus pensamentos. Percebo que ser desse jeito afastou inúmeras pessoas da minha vida, mas eu simplesmente não me importo o suficiente para me esforçar para ser diferente.

Cruzo os braços e os coloco por baixo da cabeça. Minhas pernas cruzadas na altura do tornozelo. Desse jeito, observo o teto do quarto e as lascas soltas de tinta. Nem lembro de um momento em que o meu quarto esteve em um estado melhor. Nem o quarto e nem a casa, na verdade.

Quando eu era criança, costumava ligar para o estado em que nossa casa estava. Sempre pedia por uma cama que não fizesse barulho todas as vezes em que eu me mexia, ou por um guarda roupa que tivesse portas. Sempre pensando em mim mesmo, e nunca no coletivo ou em minha mãe. Ela trabalhava o tempo todo e nunca era o suficiente nem para nossas despesas, então me dar móveis "bonitos e novos" estava fora de questão. Quando ela ficou doente, eu precisei assumir algumas horas na farmácia do nosso bairro. Essa era a única forma de continuarmos tendo dinheiro para as despesas e dela ter os remédios de graça.

Por motivos como esses que eu me afastei de Allison e Seth, pois sabia que para eles a minha falta de dinheiro sempre foi uma questão que causava desconforto; ao mesmo tempo que, para Matt, causava solidariedade.

Eu nunca quis solidariedade.

Eu queria amizade. E nada que pudesse dar condições a ela. Por isso, os observo à distância.

Enquanto me arrumo para a aula, penso em outra pessoa que costumo observar diariamente. Aaron Minyard. Ele é um garoto que se transferiu há pouco tempo, e que depois de passada a novidade de um garoto loiro e mais velho entre as meninas do nosso ano, ele se tornou invisível. Gosto de pessoas invisíveis, pois elas sempre têm coisas a contar que ninguém mais se importa. Mas eu me importo. Não que o eu me importar seja importante para ele.

Na maior parte do tempo ele parece ser uma pessoa sem emoções, como se tudo ao seu redor na verdade apenas o incomodasse e não fosse capaz de cativar sua atenção. E em outros dias, ele parece cansado e preocupado.

No início, essas diferenças de humor foram bem sutis, pois todos possuem seus momentos de preocupações, então não foram nada demais para mim. Mas, aos poucos, começou a ficar evidente que a pessoa que simplesmente não demonstrava nem interesse na frente dos colegas não poderia ser a mesma que expressaria preocupação - agindo como se estivesse ali apenas por estar. Detalhes como a maneira como se senta, ou o olhar direcionado aos professores foram coisas que me fizeram suspeitar de que havia algo acontecendo.

Nos 3 meses desde o início do ano letivo, reparei em pelo menos 6 vezes em que o Aaron não parecia ser o Aaron. É, eu sei, posso estar sendo louco. Tenho teorias, é claro. Uma mais absurda do que a outra.

Uma das teorias que eu mais gosto é a de que se tratam de duas pessoas. Ela é a minha preferida pois poderia ajudar a explicar porque em alguns dias ele é simplesmente apenas mais uma pessoa a se observar no mar de alunos e em outros, ele é alguém que desperta em mim coisas que eu nunca havia sentido.

Ao ir até a escola, é nisso em que penso praticamente todas as manhãs. E assim que entro na sala de aula, olho diretamente para a cadeira sempre ocupada pelo garoto Minyard. Ao ver que hoje ela está vazia, meu coração fica levemente acelerado e minhas mãos tremem. Quando sento em meu lugar, fico olhando para aquela cadeira vazia sem conseguir nem reparar em todos que entram na sala de aula. E nem no professor começando a aula.

- Desculpa o atraso - a voz ofegante e alta vinda da porta é a única coisa que me tira dos meus pensamentos. Instintivamente, sorrio ao ver Aaron chegando. E meu sorriso aumenta mais ainda quando reparo que se trata da versão dele que eu prefiro. A versão que tem um olhar preocupado e que, como sempre, apoia os cotovelos na mesa assim que se senta e abaixa a cabeça, colocando as mãos entre os fios loiros e sempre bagunçados.

Me pergunto como ninguém mais parece notar que esse não é o mesmo garoto sentado entre nós ontem. Não tem como ser a mesma pessoa. Não tem como essa pessoa ser a que sempre senta com a postura reta, anotando tudo no caderno concentrado na aula e com os cabelos alinhados. A versão do Aaron que estou vendo agora parece que esta tendo que lidar com todos os problemas do mundo e lutando para manter o controle. Essa versão me faz querer não só observar, mas participar. 

I can't stop staring at you || AFTGOnde histórias criam vida. Descubra agora