Capítulo 6. dividindo

881 170 25
                                    

Passo a organizar meus dias da seguinte forma:

- Escola;

- Hospital com minha mãe;

- Meu trabalho na farmácia;

- Casa com meu tio, onde estudo e durmo.

E assim, repito essa rotina diversos dias. Por algumas semanas.

A única coisa que tem me distraído do sofrimento que é ver minha mãe piorando em uma cama de hospital sem ser capaz de fazer nada para ajudar, é trabalhar na minha teoria sobre Aaron Minyard.

Todas as manhãs, assim que chego na escola, procuro por ele. Me aproximo, comento alguma coisa e espero sua reação.

Em algumas manhãs, ele apenas me ignora ou responde de maneira grosseira; em outras, ele costuma prestar atenção no que eu digo e responde de maneira um pouco mais simpática.

O curioso é que geralmente ele é mais simpático quando seus cabelos estão mais bagunçados.

Não há diferença no seu tom de voz, nem nos detalhes de seu rosto. Não há diferença em nada além do jeito como usa o cabelo, a postura mais relaxada e a maneira que me trata de um dia para o outro. Mas estou cada vez mais convencido de que são dois.

Devem ser gêmeos. Idênticos. Ou se não forem, um deles deve ser um clone - nessa teoria, eu torço para que o clone seja aquele que usa o cabelo muito arrumado e que me trata com grosseria.

É errado eu estar me sentindo animado todas as manhãs? É errado me sentir feliz sempre que vejo que se trata da versão dele que eu prefiro? É errado sentir meu coração acelerar levemente todas as vezes em que ele está me olhando?

É errado sentir isso enquanto minha mãe está morrendo?

Sou um péssimo filho?

Em algumas tardes que passo com ela, falo sobre meu dia e até já contei sobre minha teoria para o garoto Minyard. Ela riu, coisa que não fazia há muitos dias, e me fez diversas perguntas sobre como eu me sentia quando estava falando com ele, ou quando ele me olhava. Minha mãe deve estar pensando que estou gostando dele, mas prefiro não pensar nessa possibilidade.

Hoje, quando chego na sala de aula, vejo o loiro sentado olhando na direção da porta da sala. Ele presta atenção em mim e me observa enquanto me aproxima de sua mesa.

- Bom dia - comento sorrindo.

- Oi.

Ele não para de me observar, e sinto meu rosto esquentar um pouco.

- Ontem você foi um pouco grosseiro comigo.

Ele dá de ombros.

- Talvez você tenha sido comigo também, já pensou?

Dou uma risada.

- Por que eu teria sido grosseiro com você se só perguntei se você gostava de rosas?

- Porque talvez eu não goste de flores.

- E você não gosta de flores?

- Não, eu sou alérgico.

Ele continua me encarando.

- Encarando. - Observo.

- Você também. - Ele dá de ombros novamente e bate a ponta dos dedos de leve em cima da mesa. Presto atenção em sua mão e no movimento de seus dedos. Ela está bem próxima da minha, poucos centímetros e se eu quiser tocar em sua mão, é só mover a minha um pouco.

Mas não a movo. Algo me diz que ele não é o tipo de pessoa que gosta de ser tocado e nem quero fazer nada que possa afastar ele dessa nossa interação estranha e curiosa.

- Você já tem dupla para o experimento de física de hoje? - Pergunto, como em uma tentativa de me distrair de sua mão tão próxima da minha, e do impulso que tento reprimir de sentir a sua pele contra a minha.

- Não tenho. Você está se oferecendo?

Meu rosto tem uma expressão curiosa quando paro de olhar sua mão. Seus lábios estão com um leve sorriso, daqueles que apenas um dos cantos do lábios está levantado. Seus olhos estão fixos nos meus.

- O que faz você pensar que eu não tenho dupla?

- Porque você nunca fala com ninguém além de mim.

Ah, o espertinho tem me observado então.

- Você repara muito em mim, não acha?

- Pelo visto é recíproco, pois você me encara o tempo inteiro.

- Talvez eu tenha meus interesses em fazer isso.

- E quais são?

"Descobrir quem é você."

Essa é a resposta, mas não sou capaz de dá-la a ele.

Então digo o que não é tão comprometedor.

- Descobrir se você é um cara legal.

- Essa é fácil. Posso responder para você e você pode voltar a sua vida normal - ele apoia os braços na mesa e se inclina na minha direção. - Eu não sou legal. - Ele sussurra, como se estivesse me contando um segredo.

- Respondendo a sua suposição, eu não tenho dupla. - Decido voltar ao assunto antes que ele diga para que eu me afaste.

- Está esperando um convite formal para se juntar a mim? Ou você é um lobo solitário e só quis deixar bem claro isso?

Dou de ombros.

- Sou sua dupla agora - falo, me aproximando de seu ouvido, e então vou em direção a minha carteira. quando me sento, percebo que ele está me encarando.

Quando a aula de física começa, vou até sua mesa e trabalhamos seguindo todas as instruções passadas pelo professor. Não conversamos, apenas trabalhamos. Ficamos em silêncio até o momento em que retorno para minha mesa e ele se despede. Não respondo, mas sorrio para ele.

No final das aulas, vou até o estacionamento do supermercado próximo do colégio onde meu tio está me esperando. Ele vai me levar ao hospital porque está chovendo e o que menos precisamos agora é que eu fique doente também.

Quando estou me aproximando do carro do meu tio, observo Aaron andando pelo estacionamento. Ele está sem guarda chuva, e acho que não me viu. Ele anda lentamente até um carro, abre a porta do passageiro e olha na direção do banco do motorista. O carro dá a partida e começa a sair da vaga. O carro fica de frente para mim, e no banco do motorista há um cara alto com uma tatuagem no rosto, próximo do olho. Não consigo reconhecer o desenho dessa distância. Ao olhar para Aaron, percebo ele me encarando. Ele está com uma expressão irritada, fala algo pro motorista e eles passam por mim acelerando.

Quando entro no carro do meu tio, fico tentando lembrar do olhar de Aaron para mim quando reparou que eu havia visto ele com aquele cara.

Quem é ele? Por que ele ficou irritado quando eu vi os dois juntos?

Será que é um amigo? Namorado?

Algo naquele cara me é familiar, mas não consigo lembrar onde posso tê-lo visto antes.

- Você está bem? - Tio Stuart pergunta no caminho ao hospital.

- Estou. - Mas não tenho tanta certeza.

Minha cabeça está cheia demais, com teorias demais. E eu não tenho nenhuma resposta.

Não ter respostas está começando a me incomodar.

Mais tarde, quando estou na farmácia atendendo um cliente, escuto o barulho da porta sendo aberta. Olho na direção, querendo avisar o cliente de que logo vou atendê-lo, e me assusto quando percebo ser o loiro com quem estudo.

Ele está com as mãos nos bolsos da frente de sua calça jeans preta e me encarando.

Continuo atendendo o senhor que está na minha frente, tentando me concentrar. Escuto novamente o barulho da porta, e quando olho, reparo que Aaron Minyard está saindo. Por que ele viria até aqui, me encararia e sairia?

Estou ficando cada vez mais confuso.

I can't stop staring at you || AFTGOnde histórias criam vida. Descubra agora