38. Fogo no parquinho.

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Nós passamos a tarde toda explorando as atividades da montanha. Em Thunder Bay o sol se punha após as dez horas da noite, então nós tínhamos tempo de sobra para aproveitar o dia.

Fiquei a maior parte do tempo com Joel e Barbara, que me ensinaram a andar de snowboard. Depois de horas caindo, eu finalmente consegui me equilibrar na prancha.

— Lembra quando fizemos aula de surf em Byron Bay? — perguntou Barbara, se olhando em um vidro espelhado para arrumar a roupa. — Foi bem no começo.

— Eu lembro... Parece que foi há tanto tempo.

Ela suspirou, sorrindo para seu reflexo.

— Esse sem dúvidas vai ser o maior verão de nossas vidas.

— Sabe o que eu estava pensando?

— Que rosa não combina comigo?! — sugeriu, fazendo biquinho.

— O que? — Fiz uma careta e a olhei. Barbara usava um conjunto branco, mas as botas, luvas, cachecol e touca eram rosas. Ela até tinha feito o Chris e o Joel virem combinando com ela, usando rosa. — Como assim, rosa não combina com você?

— Odeio rosa — respondeu irritada. — Simplesmente odeio.

Abri a boca, chocada. Essa não era a cor preferida dela desde que nasceu?

— Você tá bem? — perguntei, a olhando preocupada.

— Não. Preciso beber. — Ela pegou minha mão e começou a me puxar em direção aos meninos. — NÓS VAMOS PARA CASA! — anunciou. — Tá na hora de colocar fogo nesse parquinho.

Eu apenas olhei os garotos e dei de ombros. Um começou a puxar o outro e nós voltamos para o chalé. É melhor não discutir com a Barbara quando ela está nervosa.

Me soltei de Barbara, esperando Zabdiel me alcançar.

— Tenho medo da Barbie quando ela tá assim — comentei, abraçando um braço dele, enquanto a neve caia ao nosso redor.

— Assim...?

Levantei o rosto e o olhei.

— Você sabe como.

Barbara não ganhou o apelido de Barbie à toa. As pessoas na escola começaram a chamar ela assim por ela ser loira sim, mas também por ser burra e mimada. Ao menos era isso que ela aparentava ser. Uma rainha digna de um filme adolescente da Netflix, mas com um B nas provas. O problema é que ninguém valorizava o B dela, mesmo sendo uma nota ótima. Então ela criava uma barreira de tudo o que falavam dela. Ela fingia ser a garota burra, mimada, revoltada, mandona, sem conhecimento... Quando ela estava perdida e não sabia como agir, essa mascará se tornava ainda mais forte.

— A confusão dela está deixando até mesmo eu confusa — falei, soltando um suspiro pesado. Eu me sentia cansada.

— A aura dela tá péssima — disse Joel, surgindo ao nosso lado.

— Aura?! — Fiz uma careta e olhei para Zabdiel, procurando por ajuda. Ele apenas deu de ombros. — Desde quando você fala sobre aura?

— Desde sempre. Zabdiel que começou com esses papos — disse, chutando a neve e começando a andar mais rápido, nos deixando para trás.

— Zabdiel que começou com esses papos?! — repeti, olhando meu namorado.

— Eu gosto de meditar, só. Joel que levou o assunto mais a sério.

Decidi não questionais mais nada e apenas segui o pessoal até a cabana deles.

— Ah não — resmungou Kim, segurando um dos meus braços. — Não vou conseguir.

Zabdiel franziu a testa, abaixando a cabeça para ver ela. O coitado foi dispensado com um olhar, deixando nós duas sozinhas.

— Do que você tá falando?

— A Operação Fogo Quente.

— Ah... — Abri a boca, pensando sobre o assunto.

Eu já não tinha achado a ideia boa no momento em que Barbara propôs, mas sabia que Kim não iria me ouvir. Barbie sempre foi a referência para nós, era ela que ouvíamos desde novas.

— Kim, não se pressiona. Por que tá tão nervosa com isso? — perguntei, virando o rosto e a olhando. — Você nunca nem gosta de contato físico com garotos.

— É que eu quero muito conseguir ao menos dar um beijo bom naquele garoto — respondeu, bem frustrada. — Mas eu tenho medo de congelar na hora, ou ser ruim.

— Mas vocês já se beijaram.

— Já... Mas e se não for bom toda vez?

Fiz biquinho, pensando sobre o que ela disse. Zabdiel e eu não tivemos esse problema até agora. Eu sabia que a vida não é um conto de fadas em que tudo é perfeito. As vezes vamos brigar, as vezes nossos beijos vão ser ruins, e as vezes um dos dois pode broxar. Acontece, é a vida. Mas até o momento eu conseguia imaginar facilmente que Zabdiel era meu príncipe de cabelo descolorido, me levando para passear de cavalo branco.

— No começo tudo é bom — foi apenas o que respondi, atravessando a porta da sala do chalé. — O álcool talvez te ajude a criar coragem, mas não tome algo para querer fazer algo que, sóbria, você não iria querer fazer. — Dei um passo para a frente e outro para o lado, ficando cara a cara com Kim. — Entende o que quero dizer?

Ela confirmou com a cabeça, fixando os olhos nos meus. Ela tinha entendido.

Kimberly tinha inúmeras razões do porque não gostar de contato físico com pessoas estranhas. Na realidade, acho que ela não deixava ninguém além de mim e as meninas a tocarem. Até mesmo Zac, que é amigo dela há tanto tempo quanto nós, ela não deixa que a toque. Homens, no geral, ela não permite. Zabdiel foi o único que eu a vi tocando por vontade própria, em um dia que o abraçou em Byron Bay.

Se o que Erick e ela tiverem for sério, ele provavelmente deve saber dessas razões pessoais dela. Ele tinha dado um buque enorme de flores para ela uma vez, ainda lá na Austrália. Zabdiel nunca me deu nem uma flor. Espero que Kim não duvide dos sentimentos dele por ela, porque eles são claros para todos que olharem os dois com atenção.

O chalé já estava lotado, com todos se espalhando pelos cômodos. Zabdiel tinha se jogado em um dos sofás, tirado todas as roupas de frio e esticava os pés para cima, os apoiando na mesa de centro.

— É hora de começar a beber — anunciou Barbara, vindo para a sala com duas garrafas de vodca.

Zabdiel se virou no sofá, franzindo a testa para a cena.

— Vocês acabaram de almoçar.

— E...?

— Vão passar mal.

Barbie revirou os olhos e voltou para a cozinha.

— Zabdiel, confia na mãe que ela sabe o que tá fazendo. KIMBERLY! — gritou, abrindo uma das garrafas. — A Operação Fogo Quente está oficialmente aberta. 

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