Carta

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O elevador do seu prédio o conhecia muito bem. Descer e subir por ele já não era uma novidade para si, e por trabalhar muito, ele quase não parava em casa dia de semana. Porém, ele temia que aquilo iria acabar, por ter ouvido de seu chefe que talvez seu turno diminuiria para atender os pacientes apenas pela manhã, e ele não reclamaria se isso ocorresse realmente.

Seokjin trabalhava tanto que até gravara os turnos de alguns funcionários daquele Hospital gigante:

Antonella, a secretária, chegava às 8h00 e saía às 17h; Millie, a faxineira, chegava por volta das 7h e saía 20h; Bryan, o nutricionista, por outro lado, chegava às 9h00 e saía 16h. E esses são apenas alguns exemplos de funcionários.

Com 32 anos, e muito tempo de experiência na área de pediatria, Seokjin era bem respeitado naquele Hospital. Todos os conheciam lá dentro, o mesmo só andava com a agenda cheia e sua secretária particular enloquecia com o tamanho exagerado da fila de espera de alguns pais para que seus filhos fossem atendidos pelo doutor coreano, Kim Seokjin.

Ser atendido duas vezes no ano pelo doutor era, no mínimo, um privilégio. Mesmo havendo outros doutores também muito bem qualificados e profissionais, com certeza Seokjin era o mais requisitado e o preferido de todos os pais daquele país, e por conta disso, o ciúmes e a inveja entre os colegas era bem nítido. Onde trabalhava, sua relação com as outras pessoas era 8 ou 80. Ou você amava o doutor Kim, ou você o odiava.

Não tinha mais nem menos.

O homem de cabelos pretos sentia orgulho de si mesmo por estar naquele patamar. Estudara muito por isso, e deu todo seu sangue, suor e lágrimas para chegar até ali. Não tinha vergonha por ter sido humilhado algumas vezes. Não tinha vergonha de dizer que teve que lavar alguns pratos e limpar alguns chãos para poder ter dinheiro e pagar a faculdade. Não tinha vergonha de dizer que antes de tudo de bom acontecer consigo, muita coisa ruim teve que passar e por muitas barreiras pular.

Por muito tempo em sua vida, ele sempre achara que não iria conseguir chegar até ali. Que estava se esforçando à toa, e quando seus pais colocavam toda a esperança em suas costas, ele sempre tinha em mente que podia os decepcionar.

No época do estágio, muitas pessoas pareciam melhores do que ele. Muito mais qualificadas e muito mais rica também. Era humilhante chegar no vestiário dos estagiários ─ cada qual com sua panelinha. ─ e observar que ele era o único que ninguém se aproximava. Mas os dias de glória chegaram em sua vida, e agora ele tinha muitos amigos e todos queriam se aproximar de si. Muitos por interesse, ele tinha noção.

Tentava não pensar o tempo inteiro que as pessoas não gostavam de si porque ele tinha uma personalidade legal, e sim porque elas queriam algo material. Sempre que isso passava em sua mente, ele sempre balançava a cabeça e se esforçava para não ficar psicótico com aquilo. Esses pensamentos poderiam destruir suas futuras e atuais amizades verdadeiras.

Chegara em casa cansado e extremamente abafado com a blusa social azul e sua calça apertada também social. Pegou suas chaves no bolso traseiro de sua calça e abriu a porta do apartamento sem muita dificuldade.

Trocou os sapatos no começo por pantufas macias, suspirando, com o  alívio por ter tirado as peças apertadas de seus pés. Ele era muito apegado àqueles sapatos sociais pretos com detalhes marrons. Sempre arrumava uma desculpa para ir trabalhar com eles ou sair com os mesmos para algum jantar importante.

A mãos grandes coçaram a nuca relembrando de todas as crianças que tinha atendido naquele dia. Umas mais doentes que outras, mas a tristeza bateu ao relembrar de uma que foi diagnosticada com câncer.

Tão nova, mas passando por algo tão forte e triste. Ele queria apenas pegar a pequena Sabrina no colo e dizer que tudo de ruim iria passar.

Seokjin acreditava no poder da esperança. Acreditava que um sorriso, um abraço e um consolo poderiam mudar a situação de qualquer pessoa. Acreditava ainda mais que existiam pessoas boas, e no brilho do olhar daquela pequena criança, ele poderia encontrar a pureza. O mesmo não era muito religioso, mas tinha fé que a menina poderia vencer.

Tomou um banho frio e secando suas madeixas com a toalha pequena, sem camisa, fez uma janta simples para si, se lembrando quase que automaticamente da carta que recebera mais cedo, que ele não sabia qual assunto se tratava. Fazia algum tempo que não recebia cartas.

Não ligou muito para ela, já que a mesma não parecia urgente para Jin. Jantou calmamente assistindo The Big Bang Theory na televisão fixada na parede. Ria um pouco entre uma garfada ou outra, e sem pressa alguma lavou os pratos que sempre à noite procrastinava e deixava para levar pela manhã.

Taça de vinhos em mãos e com a blusa em seu corpo, Jin pegou a carta e se sentou na varanda grande de seu apartamento sem muitas preocupações em mente, pois quando pensava muito, ficava com insônia e no dia seguinte não conseguia dar tudo de si na profissão, a qual tanto gostava de exercer.

Abrindo o envelope bonito com um selo laranja claro, Seokjin tomou mais um gole do seu vinho preferido, o colocando na mesinha ao lado. Se aconchegou no sofá onde estava sentado e leu atentamente a carta, a qual lhe foi enviado não por um carteiro, mas por um moço alto trajado com um terno verde escuro.

Desdobrou o pequeno papel, não acreditando no que estava lendo.

Pulou do pequeno sofá, quase derrubando o vinho pelo chão

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Pulou do pequeno sofá, quase derrubando o vinho pelo chão. Passou as mãos pelo rosto vermelho entrando porta a dentro e andando de um lado para o outro com o nervos à flor da pele. Voltou rapidamente para a varanda, bebendo a bebida alcoólica de vez sem aviso prévio para a sua garganta, expressando uma careta logo em seguida.

Novamente entrou se encostando na porta que dava para o lado de fora, com as mãos segurando seus cabelos pretos.

─ Eu vou ser pai? ─ Sussurrou lentamente, horrorizado. ─ Realmente ser pai? ─ Suas mãos foram para o coração martelando no peito, apertando o mesmo e fechando os olhos. Sorrindo, ele gritou, finalmente, sem medo de errar. ─ Eu vou ser pai!

Correu dentro de casa pela segunda vez naquela noite e deitou na cama com maior sorriso e mais sincero que dera dentre todos os anos da sua vida.

Os seus olhos brilhavam mais, a noite parecia mais bonita e até a raiva que sentia pelos barulhos frequentes e estranhos de cama rangendo que a vizinha fazia com seu marido, passou.

Naquela noite, não ligaria para mais nada. Só para a esperança que o seu sonho, aos pouquinhos, estava se realizando.

Um pai para o meu filho || KSJ × KTH Onde histórias criam vida. Descubra agora