-Capítulo 03-

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"Você precisa ser forte!" Falo para mim mesma, secando as minhas lágrimas. Deixo ele cuidar do homem e vou até outro. O mesmo está apenas com um corte na perna. "Você é nova na equipe?" Me surpreendo quando vejo o sorriso no rosto do homem. Seu sorriso é de certa forma convencido, apesar de seu rosto estar sujo.

"Sou sim." Falo indiferente. Ele me observa enquanto trato de sua perna. "Meu nome é Scott." Ele fala com um sorrisinho fazendo charme. Apenas balanço a cabeça confirmando. "Você é misteriosa." Ele fala com ar de malicia. Termino de enfaixar a sua perna e ele me agradece. Percebo que ele estava em uma maca.

Observo os que estão com ferimentos mais graves. Esses estão apenas na areia. Então eu realmente entendo. Eles estão tentando desocupar espaço. Ou seja, querem que cuidemos apenas dos que estão em boas condições, sendo que muitos ainda podem sobreviver aqui.

A cada dia que passa, mais nojo eu sinto de toda essa hierarquia. Percebo que o tal Scott, agora está sendo levado por outros soldados para o navio ancorado.

Continuo em busca de feridos e vou até um soldado que está com um corte no braço. A ferida está começando a infeccionar e pode se agravar se não for limpa e cuidada adequadamente. Limpo a mesma com água oxigenada e passo medicamento próprio para isso. O homem treme quando a ferida começa a borbulhar queimando as bactérias, mas seus olhos estão perdidos em pensamentos. Passo um pano limpo com soro fisiológico e por último um cicatrizante. Faço um curativo e o homem, me agradece baixo.

Penso em tudo que ele pode estar lembrando. Sua família, seus filhos.. sua vida antes de tudo isso.

Muitos enfermeiros da ilha ajudam com esse resgate de ferimentos leves e aos poucos as macas vão sumindo. Trato mais alguns machucados básicos e então percebo que as macas acabaram. As pessoas começam a se afastar e ir em direção ao navio. Tento não pensar em todos aqueles homens ali que podem ser salvos e me viro para seguir meu caminho. Tento manter meu olhar para cima e não olhar para o sofrimento espalhado pela areia.

Dou alguns passos em frente. Até quando isso vai durar?

"Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta." Me lembro da frase de Einstein em um de seus livros que li.

Paro por alguns segundos e olho para baixo. Vejo um homem caído a minha frente. Ele parece ser novo, considerando seu rosto jovial. Sua respiração está cada vez mais lenta, mostrando como a vida é algo tão simples e fácil de acabar. Imagino a mãe desse homem ou noiva e filho. Meus pensamentos são tomados por tristeza, como me sentiria se soubesse que meu irmão ou filho poderia ser salvo mas não foi?

Vejo que seu ferimento é tão simples e pode ser facilmente tratado. "Eu preciso." Sussurro para mim mesma. Me ajoelho ao seu lado e procuro seu ferimento entre as roupas. Encontro uma mancha de sangue ao lado do seu abdômen se extendendo para as costas. Abro sua camiseta com rapidez e analiso a ferida. Ele parece ter levado um tiro, felizmente de raspão. Pego um pano e faço pressão estancando o sangue restante. "Ele morreu! Ele morreu!" O homem sussurra várias vezes enquanto delira. Respiro fundo e passo água oxigenada na ferida sentindo ele tremer em resposta. Passo um gel anestésico com rapidez e espero alguns minutos.

Puxo seu corpo devagar o encostando na madeira de um quiosque abandonado.

Enquanto o gel faz efeito, eu observo as tatuagens em seu tronco. Uma borboleta chama a minha atenção em seu estômago. Uma imagem tão linda e pura em um cenário tão devastador.

Depois de exatos dois minutos marcados no relógio, pego uma agulha já com a linha esterilizada. 'Você consegue. Seja forte.' A voz de Margaret vem na minha mente. Começo a costurar sua pele enquanto ele geme de dor. Pressiono meus dentes uns nos outros e continuo tentando ser o mais precisa possível.

A cada pedaço de pele costurada uma respiração leve. A cada linha um batimento. Depois de dez pontos, passo o cicatrizante mais forte que encontro e em seguida enfaixo sua barriga com pressão. Pego dois comprimidos dentro da mala e leio rapidamente. Um é para a dor e outro para cicatrização. "Você precisa tomar isso." Sussurro e coloco os comprimidos em seus lábios frios. O mesmo os engole com facilidade.

Percebo que ainda temos tempo para entrar no navio, então me sento na areia e respiro fundo pensando no que eu fiz em pouco tempo. Desobediência ao general daria uma boa punição para mim. Fico observando a respiração do homem atentamente, a mesma fica cada vez mais normal.

Observo o rosto dele. Diferente dos outros, seu rosto está bem limpo e seu cabelo castanho claro ainda está molhado. Seu rosto é bem simétrico e de pouco em pouco está mais calmo. Fico o observando por algum tempo. A respiração do soldado está bem funda e um pouco cortada.

"Não era para você me salvar." Ele fala.

Fico completamente confusa com as palavras que saíram da sua boca nesse momento. Sei que não deveria salvá-lo. "Hã, como?" Pergunto sem entender. Ele pode estar apenas delirando. Ele abre os olhos e eu os vejo pela primeira vez. São bem verdes, como uma pedra de esmeralda ou de jade. Nunca tinha visto olhos tão verdes assim.

"Eu não queria que você tivesse me ajudado droga." Ele fala com uma expressão de decepção e cansaço. Minha boca se abre levemente sem saber oque dizer. Ele está delirando, sem dúvida. "Eu não queria ser salvo Porra!" Ele fala alto me assustando e logo em seguida ele geme de dor. Tento ignorar e guardo as coisas que usei.

Me levanto e passo meu braço por sua cintura o ajudando a levantar devagar. "Que merda você tá fazendo pirralha!?" Ele pergunta irritado com a voz arrastada. Tomo cuidado com o seu curativo. "Precisamos ir para o navio." Falo com calma na voz. Ele me olha por alguns segundos. "Não preciso da sua ajuda! Eu sei andar. Já fez o suficiente." Ele fala com uma expressão de ódio. Não vou me estressar com um cara que eu acabei de ajudar. Respiro fundo, sorrio e o largo. "Ora, então ande!" Falo com um pouco de deboche na voz.

Não tiro meu 'sorriso' do rosto. Ele olha para o meu rosto e sinto raiva e rancor irradiar de seu olhar. Ele não vai conseguir andar sozinho. "Me deixa te ajudar, só até chegarmos no navio. Depois você nem vai me ver." Falo tentando convencer ele. Que cara mais ingrato.

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