Abro os olhos assustada ao ouvir os gritos de minha tia. "Eu to acordada desde as quatro e você ainda está aí deitada!" Ela grita enquanto fecha os armários da cozinha com força. Escuto a porta do quarto ser aberta com rapidez e em um piscar de olhos sou jogada no chão. "Vê se faz alguma coisa, sua inútil. Daqui a meia hora vão vir nos buscar." Ela fala alto enojada e sai do quarto onde estou.
Me levanto, ainda um pouco zonza pelo sono e me sento na pequena cama. O dia tão esperado, chegou. Estou ansiosa, mas ao mesmo tempo preocupada. Saber que eu vou poder ajudar muitas pessoas, me deixa satisfeita por saber que vou fazer algo útil de verdade. Porém, ao mesmo tempo, tremo internamente por saber que vou fazer isso no meio da Guerra.
Minha tia, Melissa é enfermeira em um hospital local de onde moramos e eu virei ajudante dela. A Segunda Guerra Mundial começou já faz um tempo e milhões de mortes já foram registradas. Consequentemente, essa ilha onde moramos está praticamente vazia. Sem a vida que havia antes. As pessoas não dançam mais nos bares, a música de toda a noite foi extinta e as crianças não brincam mais nas praças. Infelizmente a Guerra já acabou com a vida de tudo e todos de alguma forma.
Levanto da cama respirando fundo e tentando não pensar muito. Vou para o pequeno banheiro da casa e logo entro no pequeno cômodo. Faço a mesma rotina matinal de todos os dias, mas dessa vez me concentro em tomar o meu último banho tranquilamente.
O navio hospitalar está aqui na praia e o mesmo trouxe muitos homens feridos e até mortos aqui para a ilha de Dunkirk. Vamos para esse navio cuidar dos feridos abordo e ir até outros lugares para tratar de outros sobreviventes, ou pelo menos tentar.
Sempre fico pensando no que pode acontecer futuramente. Leio muitas notícias no jornal e não consigo ignorar a quantidade de mortos por toda parte do mundo. Eu não sou daqui da França, mas sempre vejo notícias sobre a Inglaterra, o país em que nasci.
Termino o meu banho rápido, antes que minha tia grite mais uma vez. Visto minhas roupas íntimas e acabo pensando em como vamos fazer nossas necessidades higiênicas e biológicas naquele navio. Balanço a cabeça tentando ignorar isso. "Você vai ajudar pessoas, isso que importa." Falo baixo para mim mesma tentando me passar confiança. Pego a minha única calça. A primeira vez que usei, fui bem julgada. Ninguém nunca tinha visto mulheres com uma peça de roupa assim. Até ouvi alguns falarem que isso "..é coisa de pessoas impuras que não tem Deus no coração!" ou então "Apenas homens podem usar calças."
Comprei essa calça de uma senhora que estava vendendo suas costuras velhas e confesso que é bem mais confortável do que outros tipos de roupas. Visto o tecido preto com facilidade, a mesma estica bastante e fica colada no corpo. Por isso, no começo achei um pouco desconfortável, mas com o tempo me acostumei. Pego uma camiseta preta de mangas compridas e a visto. Seco o meu cabelo com a toalha e depois penteio o mesmo apenas com as pontas dos dedos. Me apresso em calçar as minhas botas e saio do banheiro.
Pego a minha mala pequena e deixo ela aberta em cima da cama. Abro a pequena cômoda encostada na parede mofada em minha frente e observo minhas coisas. Não tenho muito, mas pego oque tenho. Algumas peças de roupas íntimas, dois vestidos de verão e uma rasteirinha simples. Guardo os mesmos na mala. Por fim, no fundo da gaveta, vejo aquilo que eu tentei ignorar por tantos anos.
Quando tinha cinco anos, as freiras do orfanato onde fiquei, me disseram que a minha mãe tinha me deixado lá apenas com um bilhete. Fui deixada por ela quando tinha acabado de nascer. Depois de alguns anos, encontraram a minha tia, e ela foi obrigada a me adotar. Por esse motivo precisei sair de Londres e estou aqui na França.
Apesar de tudo que um dia ela fez, os generais pediram a ajuda dela para cuidar dos feridos. Não me surpreenderia se ficasse sabendo que ela dormiu com algum deles para conseguir. Minha tia sempre me disse que a minha genitora era uma prostituta e que meu nascimento não passou de mais um erro que ela cometeu na vida.
Volto a olhar para o fundo da gaveta e pego o pequeno pedaço de papel que estava lá. Apenas meu nome se encontrava escrito à mão por minha mãe. Deixei de pensar no meu nome á muito tempo. Na verdade, me privei de pensar nele, já que o mesmo me lembra da mulher que me deixou desamparada naquele orfanato. Nunca soube quem ela é e nunca vou saber.
Uma vontade gélida de chorar aperta meu peito e o fundo do meu estômago, mas assim como das outras vezes, apenas ignoro.
Olho para o papel uma última vez e deixo o mesmo na gaveta. Respiro fundo e fecho a minha mala. Observo o quarto. Nunca foi um lugar bom, mas acabou virando o meu lar depois de onze anos aqui.
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DUNKIRK
Fanfic*EDITANDO* Ao meio do caos total, um simples sorriso, uma risada, pode mudar tudo. Talvez para você seja apenas "mostrar os dentes". Mas para uma pessoa que precisa vê-lo é totalmente diferente. Um sorriso é confortante aos olhos de quem precisa del...