Não consegui dormir nem por um segundo essa noite. É pavoroso. Estou sim, tentando me manter mais positiva possível, mas está realmente difícil.
Minha falta de sono não foi por culpa do lugar mal cuidado, ou do barulho. Mas sim por saber que estou indo direto para o local da guerra. Dover é o único lugar que ainda não foi tomado completamente por nazistas. Esse é o meu maior medo.
Estou encostada na parede de aço do navio com um cobertor em minhas pernas. A enfermagem é o local menos lotado do navio e isso me deixa um pouco mais tranquila.
"Bom dia." Escuto a voz do Jack e saio do meu devaneio. Vejo o sorriso branco em seu rosto e por alguns segundos isso me alegra internamente. "Bom dia." Falo com o melhor sorriso que consigo no momento.
"Já comeu alguma coisa? Estão distribuindo torrada e geleia." Ele fala. Provavelmente minha cara deve ter o assustado. "Hã, vou comer." Falo. Não ia, mas acho que vai ser o melhor. Aprendi a conviver com a fome desde o tempo em que eu estava no orfanato.
"Te acompanho." Ele fala. Seguimos da enfermagem para o refeitório rapidamente. O dia está nublado, sei que a qualquer momento vai chover. As nuvens estão escuras demais para um começo de dia. Por conta disso, o clima acaba ficando ainda mais frio, ou seja todos vão para dentro. Como eu imaginava, o refeitório está completamente cheio. Muitos estão comendo no chão, enquanto outros ocupam as poucas cadeiras e mesas do local.
"Vem comigo." Jackson me puxa pela mão. Fico incomodada de princípio, mas percebo que o ato não foi nem sequer pensado por ele. Ele nos leva até perto de uma senhora que eu ainda não vi. A mesma está com uma bandeja de torradas com geleia.
"Bom dia Gina." Ele fala para a mulher de meia idade. "Olá Jack. E quem é essa moça bonita?" Ela fala e logo olha pra mim. "Olá." Falo com um sorriso fraco. "Nunca te vi por aqui minha jovem." Ela fala com uma voz simpática e agradável.
"Saí de Dunkirk. Estou apenas ajudando na enfermaria." Falo. "Entendo, vamos peguem. Antes que acabe." Ela fala. Pego um pedaço de torrada e um copo com água. "Vem, sei de um lugar onde podemos nos sentar." Ele fala. Afirmo com a cabeça e o sigo para fora do refeitório. "Posso dizer que conheço cada centímetro desse navio." Ele fala. Olho para ele. "Está aqui a quanto tempo?" Pergunto. "Quase dois anos. Esse navio é um dos poucos que ainda não afundou, ou foi torpedeado."
Ele fala por incrível que pareça com divertimento. "Parabéns, acho que eu não conseguiria." Falo com sinceridade. Nos sentamos encostados em uma cabine branca que parece ser de observação. "Fico bastante aqui. É o lugar onde menos vem soldados." Ele fala. Vejo que a sala do capitão está perto e acabo dando um leve sorriso.
Percebo que ele está me observando. "O que foi?" Pergunto desconfiada. "Você deveria sorrir mais vezes." Ele fala com graça. "Não acho que seja num momento ideal." Falo observando o mar, logo em seguida colocando um pedaço de torrada na boca. Meu estômago agradece no instante em que engulo.
"E quando é?" Ele pergunta. Essa pergunta acaba ficando na minha cabeça e eu infelizmente não tenho uma resposta. Quando eu iria responder sinto alguém tropeçando na minha perna. Reconheço esse alguém. "Cuidado." Falo.
Observo o soldado de olhos verdes completamente.. embriagado? "Você tá bêbado?" Pergunto me levantando. "Conhece ele?" Escuto ao meu lado. O soldado apenas me observa com os olhos completamente vermelhos. "Era você mesma que eu tava procurando! Olha essa merda de remédio que você me deu. Essa porcaria já acabou!" Ele fala completamente exaltado e joga o pequeno pote de remédio no chão.
Pego o mesmo que se encontra vazio. Nesse pote havia doze comprimidos. "Você tomou tudo isso!?" Pergunto assustada. "Você disse que essa merda de ponto iria cicatrizar logo." Ele grita. Então percebo que ele não bebeu. E sim se drogou. Ou os dois.
"Você precisa se acalmar. Seu curativo ainda é recente.. e" tento falar mas ele me interrompe. "Eu to pouco me fodendo pra isso!" Ele fala alto. Pela primeira vez na vida, não senti medo. Sei que tem algo nele que eu não sei e uma necessidade de descobrir fica na minha cabeça sempre que ele aparece.
"Styles, por favor. O capitão está ali em cima, se ele te ver nessa situação.." Jack começa a falar. "Foda-se!" Ele grita. Quando ele foi andar, acabou tropeçando nos próprios pés e caindo no chão.
Me agachei para ajudá-lo. "Precisamos levar ele para a enfermagem." Falo. "Não encosta em mim." Escuto ele falando. Olho para o seu rosto. Seus olhos estão vermelhos, mas percebo que estão cheios de lágrimas. Sinto a dor por trás dos mesmos.
"O Styles é assim mesmo, ele sempre tá bebendo e arrumando problema por aí." Jack fala sem interesse. Ignoro. "Precisamos tirar ele daqui." Falo mais uma vez e olho para o Jack. Ele pensa por alguns segundos e então concorda.
Jack levanta ele com facilidade e o deixa encostado em seu ombro. Pego seu braço e coloco em meu pescoço. "Me deixa em paz." Ele pede para mim. Levamos ele para a enfermaria. Deixamos ele deitado na maca e demos muita água pra ele. "Descansa um pouco e se acalma." Falo quando termino de limpar seu curativo de novo.
"Por que você é assim? Nunca quis sua ajuda." Ele fala quase dormindo. Penso em sua pergunta. "Eu não sei." Deixo ele lá e saio para fora.
"Você tem muita paciência com o Harry." Jack fala. Olho para ele confusa. "Harry?" Pergunto. O nome dele é Harry? "O soldado. Pensei que você o conhecia." Jack fala se aproximando e me entregando uma maçã.
"Obrigada." Falo e pego a mesma. "Eu não o conheço, apenas o ajudei ontem." Falo e dou uma mordida na maçã. O gosto adocicado e leve me trás uma sensação gostosa na boca. "Entendi. Bom, você tem muita paciência com ele." Ele diz e se encosta na barra de ferro enferrujada. "O conhece?" Pergunto.
Ele me olha com um jeito curioso. "Como você já sabe, estou aqui já faz algum tempo. Acabo conhecendo todos, mas por incrível que pareça.." ele faz uma pausa. "Não conheço o Styles. Ele sempre foi muito misterioso e sempre foi na dele. Só havia uma pessoa com quem ele conversava bastante." Ele fala.
"Ele era muito amigo de um dos soldados. Que eu saiba ele foi transferido." Jack fala. "Entendi." Falo.
Muitas dúvidas, perguntas e questões ainda estão na minha cabeça. Por que ele é assim? Por que não quis ser salvo? O que ele esconde? Sei que não tenho nada a ver com a vida dele, mas... algo nele me faz ter a necessidade de descobrir. Só não sei oque.
"Você gosta de ler?" Jackson pergunta der repente mudando de assunto. "Hã, nunca tive muito tempo pra isso, mas adoro." Falo com sinceridade. No orfanato eu costumava ler apenas a Bíblia. Se eu não me engano li ela inteira três ou quatro vezes.
"Bom, agora você tem." Jack fala rindo. "Não acho que seja apropriado ler um livro em um navio de guerra." Falo oque penso. "Você é muito careta. Sei que é triste, mas olha.. ainda estamos vivos e acho que você não vai querer ficar olhando pra cara rabugenta do Styles ou de outro soldado o dia todo." Ele fala. O senso de humor dele por incrível que pareça é contagiante.
Tento esconder o sorriso em minha boca. Jackson ri e pega a minha mão. "Vem, você pode escolher um dos meus." Ele fala. Sorrio de leve. Sigo ele até aonde guardamos nossas coisas. Ele pega uma bolsa média de couro e a abre. Vários livros se encontram lá. "Pode escolher." Ele diz com um sorriso amigável.
Pego os que estão por cima e dou uma olhada. Não são novos, mas com certeza são bem cuidados. Olho os títulos até encontrar um que chamasse a minha atenção. O título Guerra e Paz de Leon Tostói com certeza prendeu minha atenção. "Vou pegar esse." Falo e pego o mesmo. "Hum ótima escolha." Ele diz sorrindo. Retribuo o sorriso.
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DUNKIRK
Fanfiction*EDITANDO* Ao meio do caos total, um simples sorriso, uma risada, pode mudar tudo. Talvez para você seja apenas "mostrar os dentes". Mas para uma pessoa que precisa vê-lo é totalmente diferente. Um sorriso é confortante aos olhos de quem precisa del...