Enchi meus pulmões com o ar gélido daquela noite de inverno e apesar de sempre ter odiado o frio, agradeci pela sensação cortante que frequentemente inundava meus sentidos e impedia um desmaio.
No começo corri, mas tendo me afastado somente duas quadras, comecei a andar. Meu corpo não tinha força para manter aquele ritmo e minhas pernas pareciam fracas, uma dormência dolorida subindo a cada passo. Coloquei a mão no bolso, apertando o cabo canivete metálico como se eu fosse um pecador e aquela minha cruz.
A iluminação que a lua me emprestava era pouca, mas o suficiente para distinguir as formas das casas, o asfalto e as sombras que cambaleavam ao meu redor. Meus olhos aos poucos se adaptavam, e por mais que a noite me oferecesse uma nova dificuldade, também era um disfarce: àquela altura tínhamos certeza que a visão das criaturas não era particularmente aguçada. Se eu não corresse, se não chamasse atenção ou fizesse algum som, talvez conseguisse passar despercebida.
Meu rosto doía, a cabeça ainda latejava e o lugar onde a manga da jaqueta roçava na pele queimada parecia me perfurar com espinhos. Havia uma tontura permanente que me atordoava, prejudicando meus movimentos, e eu precisava me concentrar em para continuar colocando um pé na frente do outro. Se não fossem os comprimidos de Celso, talvez eu não conseguisse sequer dar dois passos para longe da oficina.
Como o banho de água fria que eu precisava para reacordar meus sentidos dormentes, ouvi um som que congelou minha espinha. Agucei meus ouvidos para ter certeza, mas era difícil captar qualquer coisa por trás dos frequentes gemidos de zumbi, mesmo na escuridão da noite. Então veio de novo. Um grunhido de esforço, um som grosso e seco, que poderia passar quase despercebido. Eu ouvia os incessantes passos das criaturas se arrastando no chão, sobre solas gastas, chinelos que estalavam ou até sem qualquer calçado, só o som do atrito da pele com o chão; mas lá no fundo eu ouvi algo mais. Longe, tanto que poderia ser só um delírio da minha mente cansada, mas o eco de um segundo par de botas batendo firme contra o chão me convenceu. Se eu não tivesse sido previamente alertada, poderiam até passar despercebidos.
Os homens que Celso avisou que me seguiram. Os dois homens que eu precisaria matar.
✘✘
Mesmo se não tivesse sido aconselhada a isso, eu não teria outra escolha além de parar para descansar. Sequer sabia o quanto eu havia me afastado, contando as quadras que atravessava com dificuldade — a pressão dos sons que seguiam meus movimentos dificultava qualquer raciocínio lógico.
Precisei de muito autocontrole para não olhar para trás, não virar abruptamente e disparar em uma corrida inútil que não me levaria a qualquer lugar sequer ao meu túmulo. O aviso de que eles poderiam ignorar as ordens de Klaus ainda latejava na minha cabeça, mas escolhi respirar fundo. Se eles se aproximassem demais, eu ouviria, e aí poderia agir, mas até que fosse necessário fingiria desconhecer suas intenções. Era minha vantagem.
Desviei da direção do hospital e rumei para o que presumia ser o sul, com base nas indicações de Celso. Na hora em que virei a esquina foi o único momento que me permiti olhar para trás, e encontrar duas silhuetas altas de homens a alguns metros de mim. Tremendo de pavor, desviei de um zumbi muito próximo e acelerei o passo, afinal era muito arriscado entrar em confronto com a criatura usando somente um canivete.
Caminhei alerta por poucos minutos até encontrar uma casa simples com muros relativamente baixos. Eu sabia que os homens já me tinham em sua linha de visão quando pulei, meu coração retumbando no peito. Só quando aterrissei na grama comprida do jardim percebi como estava fraca e cansada, caindo imediatamente no chão. O vento frio me fez perceber que haviam caminhos de lágrimas em minhas bochechas e mais uma vez procurei forças pensando em Mei, Melissa e Samuel, alheios na escola que em poucos dias poderia ser invadida. Aquela talvez fosse a minha única chance de salvá-los e eu precisaria fazer valer.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...