Era difícil acostumar-se com aquela nova rotina. Longe de ser ruim sentir o gosto agridoce da amiga e inimiga que era a esperança, mas certamente difícil.
Antes de todas aquelas semanas repletas de ansiedade e conflito, o condomínio sempre parecia vazio aos meus olhos — considerando as poucas vezes que eu colocava meus pés lá. Sempre que eu e Melissa voltávamos de nossas viagens, encontrávamos o exterior vazio, as casas em construção eternamente paradas e poucas indicações de que aquele lugar estava habitado.
Em números, realmente não havíamos crescido tanto: de onze, passamos a dezessete, mas agora até mesmo a aparência do lugar estava mudada. Duas semanas se passaram desde que eu, Paulina e Leonardo voltamos, encerrando oficialmente (pelo menos para mim) aquele capítulo de medo, sofrimento e conflitos. O que, por incrível que pudesse parecer, estava igualmente longe de significar tranquilidade.
Ainda trabalhávamos em dupla quando o assunto era reunir mantimentos e sempre pelo menos duas estavam fora. Mesmo assim, o condomínio parecia a mil e, claro, o espaço de revezamento entre os grupos era maior.
A mudança que mais me desconcertava, ainda que positivamente, era ver que as construções abandonadas em dois loteamentos foram reiniciadas. Antônio e Bruna, que era formada em arquitetura, chefiavam as novas obras, contando principalmente com a ajuda de Celso, Darlene e Alexandre (mas, claro, de qualquer pessoa que se visse livre de outras obrigações). Foram os dois homens que assumiram para si a tarefa e grande parte do motivo era a incomodação que suas presenças traziam no condomínio.
Tomas e Victória voltaram no dia anterior e a primeira reunião oficial que teríamos para discutir o futuro do grupo seria em alguns minutos. Dessa forma, ninguém realmente tomou a dianteira para expulsar qualquer um. A questão era muito mais complicada: Bruna e Darlene se mostraram membros valiosos para o grupo, com capacidade de se virar do lado de fora, mas igualmente prestativas quando dentro dos muros (o que sempre me fazia questionar como aguentaram viver tanto tempo sob as ordens dos homens de Klaus). Sem qualquer dúvida, juntaram-se ao nosso pequeno grupo, mas por incrível que pudesse parecer, suas relações com Celso e Antônio se fortaleceram. De certa maneira, assim como Leonardo, Paulina e Elisa sentiam-se confortáveis uns com os outros, aquele grupo, independente das condições, também passou meses vivendo juntos.
Então os ex-membros do grupo inimigo se mudaram sem maiores discussões para a casa mais afastada, onde antigamente eu passava o tempo. Faltavam portas e janelas e ela não estava mobiliada, mas logo começaram a trabalhar nisso, reunindo também móveis e materiais de construção em suas saídas atrás de mantimentos.
Por ter se tornado boa amiga de Carol e contar com ela como apoio durante a gestação, Elisa foi morar na casa dos Rosa, levando consigo Caio. Ela e a falecida irmã Graça assumiam juntas o papel de responsáveis pelas crianças na escola, então não era surpresa que ela e o garoto mais jovem acabassem se aproximando ainda mais dela após todo o conflito. Leonardo e Paulina ficaram junto com Alexandre em sua casa, junto também das ex-integrantes do grupo de Klaus, mas durou poucos dias e eventualmente Leonardo acabou vindo para a casa principal, onde morávamos eu, Melissa, Guilherme e Victória.
Eu ainda não havia me acostumado inteiramente aos nomes a menos.
Hector e Alana moraram conosco desde que chegamos ali, mas agora repousavam no extenso quintal atrás da casa, sob laranjeiras de folhagem cheias. Mariana também foi enterrada ali, e velada na mesma pequena cerimônia que fizemos para nos despedir de nossos amigos. Amarramos estacas de madeira em formato de cruz para adornar seus túmulos. Há muito tempo, o lugar onde Carlos fora enterrado também tinha uma, mas certo dia ela sumiu. Ninguém nunca perguntou a respeito.
Foi um clima... Estranho, para dizer o mínimo, quando alguém puxou uma prece, porque nem todas as vozes se juntaram. A maioria permaneceu em um silêncio respeitoso e meus olhos curiosos observaram atentamente quem: Melissa, mas eu realmente nunca havia a visto orar, assim como Guilherme e Alexandre; Leonardo, e Bruna estavam quietos e, para minha surpresa, desta vez Samuel também. Para mim, não havia mais sentido. Eu segui a religião de minha avó durante toda a vida, mas agora que ela, assim como tantos outros, haviam sido levados, a pureza que me permitia crer em algo além de mim mesma também fora.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...