Capítulo 19.

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Observei a fumaça que subia da caneca fumegante em minhas mãos, ouvindo atentamente o que Alana dizia. Dois dias já haviam se passado desde que Samuel chegara e a última boa notícias que recebemos havia sido que ele acordou. Tom não deixava o consultório improvisado de Valentino nem para dormir, por isso pouco o víamos. Não que depois da nossa discussão tivéssemos conversado muito.

— O ideal, claro, era que pudéssemos levá-lo a um neurologista — Alana deu de ombros — foi uma concussão séria, mas felizmente agora Samuel começou a apresentar melhoras. Ainda sente muita dor e tontura constante. No primeiro dia teve perda de memória, mas ao que tudo indica já a recuperou completamente. Valentino acredita que os sintomas que restam vão desaparecer normalmente se Samuel continuar em repouso constante — e finalmente, ela abriu um sorriso — o que significa nenhum esforço mental, e Samuel está puto porque não pode nem ler.

Suspirei pesadamente, um alívio significativo dominando meu corpo ao ouvir a última frase. Apesar da alegria quando Samuel acordou, uma sensação ruim dominou o coração de todos ao descobrirmos que ele não se lembrava nada sobre o apocalipse, ou sobre quem eu ou Alana éramos. A pior parte era que sem tratamento ou exames específicos, ficávamos à mercê do tempo revelar se as sequelas eram reversíveis ou não.

— Quer dizer que ele ainda precisa ficar aqui? — perguntei.

— Sim, pela quantidade de tempo que for necessária. Samuel ainda não consegue andar e sente muita vertigem quando senta, por isso é melhor continuar sob observação. Mas podemos ser otimistas quanto sua melhora.

— Graças a Deus — falei, mais por impulso do que qualquer coisa — e quanto a Carolina? Precisamos voltar e avisá-la.

— Bom, sim, seria bom, mas antes de sair consegui conversar com Victória. Já estudamos bastante sobre esse tipo de lesão e ela sabe do que se trata, então deixei claro que se não fosse grave, ele precisaria somente de muito repouso. Se fosse pior do que imaginávamos, eu voltaria para avisar no dia seguinte. E trazer Carol.

— Menos mal, mas ela deve estar péssima mesmo assim — tomei um gole do café, agradecendo pelo estoque de grãos bons que pegamos no supermercado — vou voltar e avisá-los que está tudo relativamente bem hoje, não é justo deixar uma mãe nessa incerteza.

Alana sorriu, sentando-se ao meu lado nas cadeiras do corredor.

— Obrigada, Rebeca. Conseguiu encontrar os remédios para Guilherme?

— Ah, sim! — vire-me de frente para ela, empolgada — Encontrei todos os nomes que você passou. Iríamos voltar, bem, no dia seguinte ao que vocês chegaram.

— Que bom, Rebeca. Escuta... — ela pareceu um pouco hesitante, brincando com o botão na manga da camiseta que usava — Sobre Tom, espero que você não tenha ficado magoada pela briga que tiveram. Ele estava extremamente nervoso por causa do filho. Para ser sincera, ainda não está 100%, mas conversamos um pouco e ele se sente mal, provavelmente vai se desculpar com você logo.

Tomei mais um gole de café.

— Relaxa, Alana. Apesar de ter sido meio babaca, ele não estava totalmente errado... Ter voltado para cá sem avisar ninguém não foi justo, é só que...

Tinha intenção de deixar as palavras morrerem incompletas, mas para a minha surpresa, Alana continuou:

— É mais difícil do que certo ou errado, né? — ela sorriu, colocando uma mão sobre meu ombro — Você não precisa me explicar, Rebeca. Nada era preto no branco já antes do apocalipse, quem dirá agora. Pode parecer loucura, mas eu mesma tive vontade de sair do condomínio várias vezes, ver como estava o mundo aqui fora, sair daquela ilusão de segurança um pouco.... Mas sempre havia um machucado novo, um acidente que precisava de pontos, e achei que não era justo colocar a minha vida em risco, sendo que poderia ajudar os outros estando por perto.

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora