Abaixei por reflexo quando o vidro da janela estourou do meu lado, desequilibrando-me no susto e sendo obrigada a usar as mãos como apoio para não perder o impulso e continuar correndo. Senti um pedaço de vidro cortar minha palma e engoli a dor, tirando os olhos da trilha de sangue que quase desaparecia nos ladrilhos padronizados do chão para tentar descobrir o que havia sido aquilo. Antônio travava uma luta com Rubens no pátio, que mesmo no chão, ainda estava com a pistola na mão e tentava encontrar o ângulo para atirar de novo na minha direção. Queria me impedir de ir atrás do seu companheiro.
Outro som assustador ecoou pelo corredor que eu atravessava, mas desta vez era um som metálico que conseguia ser pior do que um tiro: provavelmente exaltados pelo disparo, os mortos que se reuniam em volta do portão principal conseguiram derrubá-lo completamente. Mais dois tiros estouraram do lado de fora, dessa vez nenhum na minha direção.
Já estava com a respiração descompassada quando alcancei a escadaria, subindo dois degraus por vez. Sentia uma fisgada constante na lateral do meu corpo, além do sempre presente latejar torturante das queimaduras recentes, mas não me permitir parar. Sabia que com o portão caído e os mortos invadindo o pátio, o resto do meu grupo seria obrigado a agir para evitar que a escola fosse tomada por zumbis — ainda não sabíamos quem mais poderia estar ali dentro.
Os dois tiros que ouvi na direção da sala de aula ainda pareciam ecoar e atordoar meus sentidos. Apertei mais a pistola. Eu não poderia voltar para ajudá-los, não sem saber o paradeiro de Tomas e Samuel. Ao mesmo tempo, aquela sensação que outrora teria me incapacitado corria por todo o meu corpo como ácido nas veias: um medo tão aterrador que parecia esvaziar meu corpo de sentidos. Estava correndo na direção do homem que me torturou, enfiou minha cabeça no fogo e a razão pelo meu melhor amigo estar morto.
Era quase cômico como quando eu pensava em Klaus, a primeira coisa que invadia minha mente não eram seus olhos frios, mas o braço completamente tatuado em preto. Quando meu rosto estava sendo marcado a fogo, era aquele braço que me segurava. Tinha receio de me ver completamente paralisada em sua frente, como o medo já me deixara outras vezes.
Segui a trilha de sangue até o segundo andar, e quando disparei pelo corredor, vi as costas do garoto que atirou em Alex entrando na sala onde ficava o consultório improvisado de Valentino. Meu coração retumbava, mas minhas pernas não pararam, cobrindo toda a distância a tempo de chegar para enfiar meu coturno entre o vão da porta e impedir que o garoto a batesse. Sua trilha de sangue não havia parado até então, e pela incapacidade de fazer força, pensei que o machucado pudesse ser sério. Assim esperava.
— Eu vou matar esses dois! — a voz jovem chegou até mim — Vou matar esses dois se você...
Mas a essa altura já havia jogado meu peso sobre a porta, empurrando-a para dentro da sala e fazendo o garoto cambalear para trás conforme ela era escancarada.
Ergui a pistola ao mesmo tempo que ele ergueu a dele, enquanto afastava a franja dos olhos com o braço esquerdo. Realmente era um garoto pouco mais velho que eu, com alguns fios de barba crescendo. Lembrei do outro jovem do grupo de Klaus que Hector precisou matar em nossa tentativa de fuga, mas aquele pelo menos tinha algum vestígio de confiança andando com aquele grupo, enquanto o menino à minha frente parecia um rato encurralado.
Aos seus pés, dois homens adultos estavam caídos no chão. Senhor Valentino apoiava as costas na mesa de consulta enquanto pressionava uma toalha encharcada de sangue abaixo de seu peito, enquanto Tomas estava caído de costas, apoiando-se em um cotovelo enquanto também pressionava algo sobre um ferimento na perna. Os dois ergueram os olhos para mim, e pelo menos pude ver que ainda estavam vivos.
Mas Samuel não estava em lugar nenhum.
Percebi que não conseguia respirar ou pensar no que dizer, sem parar de encarar os olhos do garoto à minha frente. Apesar de nervosa, mantinha a pistola estável na mão direita, enquanto o jovem tremia tanto que parecia difícil manter a mira. Havia um ferimento em seu ombro, coberto pela camiseta branca, que parecia sangrar abundantemente.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...