No ano passado (e era um pouco assustador pensar assim, pois fazia tão pouco tempo) eu havia namorado um cara mais velho. Ele tinha 19 anos e eu, que fazia aniversário em janeiro, já tinha 16. Nos conhecemos em um evento de cultura nerd e ficamos juntos por poucos meses até eu perceber que ele era grudento demais — o que sinceramente não vinha ao caso.
Uma noite, ele levou eu e minhas amigas Débora e Amanda (hoje provavelmente mortas) para um rolê com os amigos e no caminho paramos em um posto de gasolina, e pediu que eu comprasse as bebidas enquanto ele abastecia. Enquanto provavelmente sabia que eu não teria qualquer problema comprando álcool, como piada, pressionou-me para agir normalmente ou o atendente pediria pela minha identidade e, quando descobrisse que eu era menor de idade, ligaria para a minha avó. Aquela era uma época diferente, leve e despretensiosa e hoje em dia era ridículo pensar no quão tensa eu estava enquanto entrava no posto de gasolina vestida para uma festa, levava três engradados de cerveja para o caixa e timidamente pagava por eles com o cartão do meu ex-namorado. Depois, com o coração quase explodindo enquanto voltava para o carro, senti-me absurdamente adulta pelo simples ato rebelde de comprar bebidas. Como se eu já fosse uma mulher madura que fazia aquilo regularmente e não uma estudante do segundo ano que teria aula na segunda-feira.
Não sei exatamente porque lembrei daquela noite, mas deixei um sorriso escapar enquanto passava pelas bombas de gasolina. Ao invés de roupa de festa, vestia coturnos pesados e jaqueta de couro, e não segurava cervejas, mas o machado que usei para arrombar a porta de vidro. Os garotos me esperavam no Fiorino: Leonardo atrás do volante e Guilherme no banco do passageiro, indicando que já terminaram de colocar gasolina (nas rodovias do interior, as bombas sempre estavam cheias). Apaguei o cigarro e entrei pela porta traseira da van.
— Nunca te ensinaram a não fumar em um posto de gasolina, princesa? — Leonardo provocou, assim que fechei a porta e me sentei no chão duro, entre os quatro botijões de gás que usaríamos mais tarde.
— O cara que deu o machado para a menor de idade arrombar a loja e pediu especificamente pelos cigarros não avisou isso — devolvi, vendo pelo retrovisor o seu sorriso.
Estiquei a sacola com o resto do maço e três latinhas para o banco da frente.
Abri meu energético, tomando um gole pouco animado. A Rebeca de um ano atrás saiu do carro para comprar bebidas e a Rebeca de mais de um ano depois foi buscar uma lata de energético quente para evitar que desmaiasse de exaustão após três dias dias com quase nenhum descanso, após sofrer torturas e ser obrigada a matar três homens diferentes. Há um ano atrás meu destino era uma festinha, e agora ia na direção dos nazistas que mataram metade do meu grupo, pronta para devolver com um extermínio.
Bebi mais um gole da bebida quente.
Um ano.
— Pronta? — Leonardo perguntou, abrindo uma lata e bebendo mais da metade antes de colocá-la no porta-copos.
— Uhum — olhei para o relógio de pulso que me deram há menos de trinta minutos, quando chegamos à conclusão de que seria útil que cada grupo daquela missão maluca tivesse um. Eu não fazia ideia se realmente era 16h da tarde, mas o que importava é que os relógios estavam sincronizados. — Vamos.
Tentei não sentir um sufoco constrangedor naquele espaço. Sequer sei como as divisões de grupo me fizeram terminar em um carro com Leonardo e Guilherme, mas aquela estranha e familiar sensação de eu-não-devia-estar-sentindo-isso-no-meio-de-um-apocalipse-zumbi veio mais forte do que nunca, quase aplacando o peso de tudo o que aconteceu e tudo o que iria acontecer antes do final do dia.
O que aconteceria entre nós quando tudo acabasse?
Nem cinco minutos depois de pararmos para abastecer, já estávamos de volta à estrada. No momento, eu não conseguia ver o carro guiado por Paulina, onde estavam também Alana, Victória e Adão (amarrado e desmaiado, mas sob vigia constante). Por um motivo com o qual eu não concordava, Melissa ficou no colégio a fim de oferecer proteção para os feridos, Caio e Mei, enquanto Alana veio conosco, pois desempenharia um papel importante para a distração que precisávamos. Eu discordei completamente de colocar nossa enfermeira na linha de frente, mas após conversar seriamente com Melissa e garantir que o estado de Tom, Antônio e Alex estava o mais estável possível ao seu alcance, Alana conseguiu que uma maioria concordasse com o plano que a utilizaria como peça-chave.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...