Capítulo 8.

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— Apesar de existir uma casa no terreno do colégio, que era onde as irmãs viviam antes dessa loucura, ela é muito pequena para todos nós, e preferimos ficar juntos. — Elisa explicava com calma, enquanto caminhávamos pelo longo corredor com salas de aula. Era um pouco incômodo ver que ainda haviam cartazes sobre alguma função do corpo ou trabalhos de artes nas paredes, mas ninguém comentou nada. — Cada um de nós ficou com uma sala para si, para usar de quarto como preferir. Os colchões e colchonetes fomos trazendo aos poucos, sorte a de vocês que temos alguns sobrando, porque...

A mulher se calou olhando com o semblante triste pela janela.

— Perderam alguém recentemente? — Tom perguntou, educado, colocando uma mão no ombro da mulher mais baixa que ele.

Ela suspirou e assentiu.

— Duas crianças, da última vez. Eram um pouco mais velhas do que as que vocês conheceram hoje, por isso não aceitavam muito bem o fato de estarem "sendo protegidas" e não pudessem ser úteis em buscas por mantimentos, como Leonardo... Um dia elas saíram sem avisar... Demoramos para perceber que não estavam em lugar nenhum, depois precisamos procurar por um dia inteiro até Gustavo achá-las... Já haviam virado aquelas... Chegamos à conclusão de que sofreram um ataque e não conseguiram voltar.

— Isso é terrível! — Melissa respondeu, genuína. — Eu sinto muito mesmo... Deve ser mais difícil ainda, sendo crianças...

Elisa não chorou, mas seu semblante ainda estava abatido. Ela apoiou uma mão nas costas, projetando a barriga inchada para frente.

— Fazia tempo, sabe? Que não perdíamos ninguém. No começo vocês podem imaginar o inferno que foi... Muitas crianças e professores sobreviveram aos primeiros dias... Outros também acabavam vindo para cá, naturalmente. Chegamos a lotar as salas de aula com colchões e cobertores, mas na primeira semana sempre parecia ter alguma notícia ruim: alguém que foi mordido e não contou; diversas baixas quando saíam em busca de comida... Lentamente foi se estabilizando, até chegar a vinte sobreviventes. Foram semanas até perdemos alguém de novo, e vejam, havia sido uma irmã, que morreu de velhice. — Ela deu um sorriso fraco. — Depois disso, foi quase um mês de paz. Um casal que estava conosco resolveu ir embora com a filha deles, depois dois professores foram atacados enquanto buscavam comida... E há menos de duas semanas, essas crianças... Claro, é mais difícil sendo crianças e jovens mas... É horrível dizer que acabamos nos acostumando? Acho que essa é a parte desconcertante.

— Não é horrível. — Senti-me compelida a dizer, séria — não fica mais fácil, só menos... Surpreendente.

— Acho que é isso. A dor era a mesma, mas precisamos lidar de maneira mais inteligente. — Ela concordou. — De qualquer forma, nos organizamos da forma mais confortável nas salas de aula, então cada um pode ter a sua privacidade.

— É uma ideia inteligente usar as salas de aula — Tom falou. — Vocês ficam todos no primeiro andar? Ou usam os outros?

— Como conseguimos acomodar todo o grupo em um só andar, usamos só o primeiro. As salas do segundo mantemos como depósito, exceto a maior, que é onde o senhor valentino montou o consultório.

Não pude deixar de morder o lábio inferior para evitar falar algo. Era incrível pensar que eu podia invejá-los: passavam fome, e ainda assim tinham um médico. Depois de ver Carlos ter os braços dilacerados e Guilherme levar um tiro, só Deus sabia o quanto um médico era valioso — e por sorte tínhamos Alana, que mesmo não sendo formada, fazia um ótimo trabalho.

Elisa foi bastante paciente e conversou conosco por mais alguns minutos antes de se despedir. O quarto que nos foi oferecido tinha um colchão de casal e um de solteiro, lençóis finos e dois cobertores, e era tudo que poderíamos querer.

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora