Revirei os olhos, sentindo o calor quando envolvi os dedos em volta do seu braço e o virei até deixar a que eu queria à mostra (o que eu podia apenas ter pedido, mas estava interessada em sentí-lo). Coloquei a ponta do dedo sobre a maior, um navio veleiro também em old school que ocupava toda a parte externa do seu braço, com ondas quebrando contra a proa, que se misturavam às nuvens de fundo.
— Você mencionou que esse tinha a ver com seu pai.
Ele dobrou o antebraço e aproximou mais a parte da tatuagem em questão em mim, mas tive certeza que o fez apenas para flexionar mais seus músculos. Como se fosse necessário.
— Quando minha avó era viva, minha mãe passou uma temporada em Balneário Camboriú — uma cidade próxima à Florianópolis, também no litoral — para cuidar dela. Foi nessa época que conheceu meu pai, um marinheiro. Se apaixonaram perdidamente e em três meses ele pediu ela em casamento, prometeu que voltariam juntos para Botuverá, tudo maravilhoso. — Leonardo deu um riso melancólico, pegando a garrafa de vinho para tomar outro gole — Duas semanas depois de noivarem, ele morreu afogado em um treinamento e mais ou menos nessa época ela descobriu que estava grávida de mim.
Arfei com a surpresa, levando as mãos à boca e Leonardo colocou a palma sobre a minha coxa, como se dissesse que estava tudo bem.
— A história é meio triste, mas a mãe sempre teve bastante apoio do resto da família, então conseguiu me criar e tudo... Ela nunca deixou se abalar, sabe? Quando eu tinha uns 4, 5 anos e comecei a questionar sobre meu pai, ela achou a história muito pesada e preferiu me contar que o pai era um "homem do mar", que veio à terra só pra me entregar pra ela. Ela nunca falou mais do que isso, mas eu sempre imaginava que um dia meu pai ia voltar em um veleiro enorme trazido pelas ondas, como se ele controlasse elas e tal... Eu sempre gostei dessa história e mesmo depois de adulto eu preferia fingir que era verdade.
— Nossa — murmurei, levando as pontas dos dedos até as linhas grossas da arte — eu sinto muito. Não sabia que era algo tão... Profundo.
— Achou que eu era um inconsequente que só fazia tatuagem porque achava massa? — abriu aquele sorriso pra mim.
— Pra ser sincera, sim — confessei, pegando a garrafa de vinho para não precisar encará-lo.
Leonardo deixou um riso escapar e apoiou um tornozelo sobre o outro joelho. Ergueu a barra do jeans, expondo uma tatuagem que se assemelhava a um arame farpado envolvendo toda a sua panturrilha.
— É que você começou com a melhor história. Essa aqui eu fiz porque vi em outro cara e achei badass. Eu tinha uns... 17 anos, foi antes de entrar pro quartel.
Não contive a gargalhada, quase cuspindo um pouco do vinho com a diferença entre as histórias.
— Agora sim é mais condizente com o que eu imaginei — provoquei, percebendo que após mostrar a tatuagem da perna, Leonardo colocou a mão de volta na minha coxa — e qual é a do punhal?
— Putz, essa é a minha vergonha. Uma das — ele virou o braço, mostrando a tatuagem — Eu fui todo problemático na adolescência. Minha mãe ficava o dia inteiro fora a trabalho e comecei a andar com uma galera meio errada, aí queria impressioná-los, mostrar que eu era perigoso. Foi a minha primeira tatuagem, com 16 anos. Sei lá que merda eu tinha na cabeça.
Não consegui conter um sorriso. Enquanto Léo contava as histórias, eu passava distraidamente os dedos sobre o desenho, incapaz de tirar os olhos das veias saltadas que subiam pelo seu braço.
— Pelo menos ela é bonita.
— Tô vendo, você não tira o olho — ele provocou e quando dei um soquinho no seu braço, deixou uma gargalhada escapar.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...