Capítulo 10.

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Valentino soltou o meu olho e pisquei algumas vezes, incomodada com a luz. Sibilei ao mínimo toque nas bandagens do meu ombro, mas seu sorriso não se abalou e ele tirou o termômetro debaixo do meu braço e o checou.

— Oito horas e ainda sem febre, os olhos e reflexos normais. Está um pouco pálida, mas nada fora do esperado — mesmo com a aparência velha, seus movimentos eram rápidos e sua voz forte. — Acho que posso dizer com certeza que não está infectada, mas é melhor continuar aqui mais um pouco para não deixar os outros nervosos, principalmente as crianças.

Minha cabeça parecia um pouco leve, mas provavelmente devia-se ao fato de eu não ter comido até então. Sofri com efeitos da ansiedade pela maior parte da manhã, e quando finalmente pude relaxar, meu sono veio tão forte quanto um desmaio.

Tive taquicardia a manhã inteira, o terror absoluto sendo minha outra companhia além de Melissa e Valentino. Mesmo tendo certeza de que não havia sido arranhada nem mordida, o rasgo na minha omoplata que se abriu quando me arrastei no chão rala-coco era tão grande que poderia ter sido tocado pelo monstro. E eu também podia assegurar que a dor era tão terrível quanto sua aparência.

Quando eu me imaginava morrendo, sempre era soterrada por corpos que me comiam, mas nunca sequer havia considerado a possibilidade de morrer para virar um deles. Durante horas, qualquer coisa que eu sentia era o suficiente para me alarmar até meu coração doer. Quando Melissa disse que iria ao banheiro, voltou fedendo a álcool. Eu só conseguia pensar que perder aquela guerra assim seria ridículo.

Eventualmente as horas se arrastaram e as palavras tranquilas de Valentino conseguiram me convencer. Mesmo ninguém querendo ficar muito perto de mim (ou me acompanhar no pequeno "confinamento"), o homem não demonstrou qualquer receio ao tratar dos meus machucados e me examinar a cada meia hora. Parecia gentil e ingênuo demais, mas a segurança em seus movimentos e força na voz me fez pensar que talvez confiasse completamente em si mesmo para lidar comigo caso uma transformação ocorresse.

— Rebeca esse foi o pior dia até hoje. — Melissa disse, e quase gritei de dor quando ela me puxou para um abraço, encostando no meu machucado. — Desculpa! Puta merda, desculpa amiga... Eu fiquei tão nervosa.

— Jura? — Gemi, fechando os olhos para suportar as pontadas de dor. — Hoje foi tranquilo pra mim.

Ergui meu olhar, e finalmente a expressão de pânico se afastou dos olhos de mel. Melissa e eu trocamos um sorriso.

Valentino sorriu para nós duas e falou que iria descer um pouco para descansar. Passara as últimas horas ali comigo, conversando, tentando me tranquilizar e lendo um livro enquanto eu dormia. Agradeci com fervor por tudo o que ele fez, até que se dirigisse à porta.

— Rebeca, somos nós que temos que te agradecer por ter salvado Antônio. Nosso pessoal é corajoso, mas eu nunca havia visto alguém se arriscando dessa forma por outra pessoa.

O homem fez um aceno de cabeça antes de sair, e senti minhas bochechas esquentarem. Queria ser modesta, mas no começo de tudo eu mesma era uma das pessoas que ficava em choque vendo os mais corajosos voltarem à linha de frente pelos outros.

De novo lembrei de Carlos, e em como correu para salvar Victória, ou rasgou os dois braços porque ajudou todos a pularem o muro para a segurança. Um dia eu o admirei cegamente, e depois de tanto tempo consegui me tornar tão corajosa que era uma referência.

A diferença é que eu não tinha a mesma parte podre que ele.

Sacudi a cabeça, voltando a olhar Melissa. Era um pouco incômodo me atrever a lembrar daquele homem enquanto ela estava presente no quarto.

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora