Capítulo 57.

3.8K 730 764
                                    

— Vocês dois aí, acordem! — a voz de Paulina, baixa mas incisiva, chegou até nós por trás das batidas na porta — Já passou da hora de ir.

Abri os olhos, encarando um conjunto de armários de madeira escura que não eram familiares. Você nunca pensa nisso no mundo de antes, mas abrir os olhos e se deparar com um cenário completamente desconhecido incontáveis vezes nunca é exatamente agradável. Pode ser o instinto de sobrevivência desenvolvido por aquele mundo, mas a minha primeira reação é sempre um salto do coração, tentando entender como vim parar ali.

O que você pensa no mundo de antes, é que a sensação de acordar ao lado de alguém aquecendo a cama é sempre interessante. Mesmo que a dor de cabeça do vinho da noite anterior seja o detalhe que embaça o conto de fadas.

— Bom dia — murmurei, espreguiçando-me e colando as costas no peito de Leonardo, propositalmente ou não. Minha voz estava rouca e o cansaço ainda se fazia presente.

— Será que a Paulina deduziu — Leonardo bocejou — ou a gente fez barulho ontem e denunciou?

— Pode ser pelo fato de você ter ido só de cueca avisar que eu e você fizemos guarda juntos — sugeri.

Ele apenas riu e aproveitei mais alguns segundos o calor dos seus braços antes de afastar as cobertas, sentindo a manhã gélida arrepiar meu corpo exposto. Havíamos nos entregado à inconsequência na noite passada, mas aquele era um novo dia e realmente precisávamos seguir viagem.

— Acordou arrependida? — perguntou, sorrindo e me olhando da cama, com os braços dobrados e as mãos sob a nuca.

— Insegurança ou prepotência? — farpei-o, mas era apenas no tom de brincadeira que já estávamos acostumados, e Leonardo riu — Fica tranquilo. Te falei que sei tomar minhas próprias decisões.

A minha resposta era muito mais madura do que o turbilhão de sentimentos que sacudia meu corpo enquanto eu me vestia e limpava meu rosto. Não ruim — nem eu conseguiria sentir algo negativo após a noite anterior... —, mas confuso, e toda a confusão vinha acompanhada com o ultraje por me atrever a me importar com algo além dos mortos-vivos que rosnava do lado de fora.

Mas nisso tomei a decisão de me ater ao proveito da noite anterior, mas não fomentar aquela... Usar a palavra 'dúvida' me deixava desconfortável. Aquele impasse, quando chegasse ao condomínio. Independente de não ter nada sério com nenhum dos dois (nem pretender esconder isso de ninguém), realmente precisava focar minha cabeça em coisas mais sérias e evitar distrações, então não me relacionaria com nenhum deles enquanto estivéssemos lá.

— Como foi a guarda? — Paulina perguntou, despretensiosamente, quando saímos juntos do quarto. Já estava arrumada e seu café da manhã era a sopa requentada da noite anterior.

— Tranquila — Leonardo respondeu — você viu quando acordou, mas praticamente sem zumbis novos além dos que já estavam se amontoando no portão que entramos.

Eu não sabia se aquela resposta estava correta, porque sinceramente eu e Leonardo ficamos conversando na cama até quase 4h da manhã, quando trocamos de turno com Paulina. Realmente nada havia acontecido (após o incidente do abajur...), mas me impressionei por um lado em como Leonardo esteve atento... Por outro, fiquei um pouco envergonhada.

— Eu pergunto sobre o barulho de vidro? — murmurou a mulher, sem erguer os olhos da revista de decoração de interiores que estava lendo.

Senti o rosto esquentar.

— Você não vai acreditar, mas um zumbi jogou um abajur na nossa janela! — Leonardo brincou, porque aquela resposta provavelmente já servia de informação o suficiente. Até Paulina trancou o riso, revirando os olhos em seguida.

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora