Capítulo 20.

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Somente quando Hector me chamou pela terceira vez saí do meu transe. Percebi como os nós dos meus dedos estavam brancos pela força com a qual eu segurava o volante e tentei relaxar. Todo o meu corpo estava tenso e duro.

— Nervosa? — meu amigo perguntou, prestando atenção em mim.

— Como não ficaria?

Meu tom era afiado, mesmo que não fosse aquela a minha intenção. Tentei respirar fundo e acalmar a mente, mas era difícil quando ela parecia estar funcionando em velocidade frenética.

A estrada estava relativamente limpa e fácil de trafegar, mas sabia que não seria assim por muito tempo. Quanto mais próximas da cidade, mais elas começam a ser engolidas por engarrafamentos e acidentes, e mais mortos começam a aparecer.

— Acha que não deveríamos estar aqui? — Hector perguntou, indiferente ao meu tom frio.

— Sinceramente? — abaixei o parasol do carro, agora que o sol de fim de tarde começava a bater nos meus olhos — Já não sei o que é o certo a fazer, Hector. Há algo errado, mas não sei o quê. Só sinto que é minha culpa... Agora podemos estar correndo perigo e Samuel está internado na escola. O homem que suspeitamos pode ter a ver com o desaparecimento de Leonardo e Gustavo e não falamos nada sobre isso para Tom, assim como não contamos que estávamos voltando... Agora precisamos vir até aqui escondidos para não deixar tudo pior.

— Rebeca, é injusto se culpar por isso. Você voltou por causa de Melissa, e concordamos em não contar para Tom na época porque era uma preocupação que não tinha a ver com a gente, nunca pretendemos nos meter... Não dá para antecipar tudo.

— Eu só sinto que estou perdendo o controle das coisas.

— Então pare de achar que em algum momento você o tem — Hector respondeu. — O mundo não é mais o mesmo, Rebeca, e por mais que tentemos pensar de acordo com ele, não vamos acertar sempre. Você sempre faz as suas escolhas pensando no melhor para os outros, e contanto que isso continue, permanecerei confiando em você.

Agradeci e respirei fundo. Mesmo que aquelas palavras me trouxessem um respiro de tranquilidade, ainda não eram o suficiente para acalmar meu coração. Queria concordar com Hector, mas ao mesmo tempo não conseguia deixar de questionar se o que fazíamos era o certo.

Estávamos ali em segredo, o que poderia significar problemas. Nunca quis ter segredos de Tom ou do resto do grupo, e quando escolhi não contar sobre Celso, minha única intenção era evitar alarme. Já vivíamos constantemente entre o medo e a ansiedade, e conhecer o grupo da escolha havia sido uma mudança positiva. Não pretendia assumir aquele problema, e na época tampouco imaginava que voltaria para lá.

Eu não queria decepcionar as pessoas que resolveram me seguir, vendo-me como uma líder quando precisaram, tampouco Tom, Carol e Alex, que confiaram igualmente em mim apesar da idade. Já havia errado em não contar qual era o nosso real plano quando resolvemos voltar para a escola. Revelar agora que escondi algo que podia significar um risco (mesmo não sabendo de antemão as reais proporções) seria colocar a perder o bom relacionamento que tinha com Tomas, além de piorar a situação de Samuel, que já era enervante o suficiente. Primeiro, teria certeza de que havia motivos para se preocupar e, caso necessário, tomaríamos providências todos juntos.

Uma placa pequena na estrada me indicava que estávamos há poucos quilômetros da cidade que era nosso destino. Estávamos atentos desde que saímos do colégio por qualquer coisa que pudesse significar algo, seja sobre o paradeiro dos meninos ou de Celso.

Limpei a garganta, chamando a atenção de Hector: — Escuta, o que estamos fazendo é arriscado, você sabe. Se estivermos certos sobre haver algo a temer, e se realmente estamos indo para a direção disso... — deixei a frase morrer no ar — Por isso vamos ser o mais cautelosos possível. Continuaremos procurando qualquer coisa que possa ser uma pista: o carro dos garotos, a van de Celso, sinal de mais alguém vivo...

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora