Usando a parede como apoio, ergui-me com um pouco de dificuldade nas pernas trêmulas. O tempo se arrastava vagarosamente por horas que pareceram dias, mas um barulho repentino quebrou o silêncio e chamou minha atenção. Sabia que vinha do corredor e não da janelinha do banheiro, a qual presumia que dava para um pátio — mas infelizmente o vidro opaco me impedia de olhar o exterior com clareza.
Era difícil dizer quantas horas haviam se passado desde que Celso me trouxera de volta, mas sabia que o fim do segundo dia se aproximava, como era indicado pela luz alaranjada do pôr do sol. Consegui dormir um pouco no que restara da noite anterior, mas era longe de ser o suficiente. Os machucados latejavam e todo o lado esquerdo do meu rosto, onde Enrico me batera, estava levemente inchado. Demorei um tempo para entender que a dor que eu sentia ao respirar era graças ao golpe que recebi na barriga, e quando ergui a blusa para verificar, deparei-me com um feio hematoma arroxeado.
Ainda assim, a dor não era pior do que a sensação de fraqueza por estar há horas sem comer nada além da barrinha de cereal que Celso me trouxera. Felizmente havia água à disposição, e lembrar que Hector não podia contar com isso fazia meu corpo estremecer.
Era difícil ouvir alguma coisa, mas estive o dia inteiro atenta a qualquer som. Ouvi passos indo e vindo por baixo da porta, algumas vozes no pátio, mas nada além disso. Ninguém viera até mim, fosse para trazer alguma comida, fosse para me torturar e o dia se arrastou lentamente. Provavelmente Celso já havia ido embora, mas eu não sabia ao certo quantas pessoas restavam ali.
A ansiedade era a pior parte, como algo corrompendo cada pedaço do meu corpo. O combinado entre eu, Melissa e Paulina era de estar de volta assim que possível, tendo somente uma noite de tolerância. Aquela hora elas já deveriam desconfiar de que algo dera errado, mas pensar no que fariam com essa informação me angustiava. Torcia para que não cometessem o mesmo erro que eu e acabassem com os segredos, que pedissem ajuda, que levassem a todos o mais rápido o possível para o condomínio. Mas pensar que poderiam estar vindo a nosso resgate, pensar nelas dando de cara com a gangue de Klaus nas ruas... Era como se minha garganta estivesse sendo apertada por garras implacáveis.
O que seria de mim quando Klaus e seus homens voltassem? Recusava-me a pensar. A complacência é um sentimento perigoso, pois aceitar mesmo o pior dos destinos às vezes parece melhor do que a agonia da incerteza. Aceitar que eu não sairia dali viva, que sentiria dores indescritíveis era aterrorizante, mas pelo menos me dava o alívio de pensar que uma hora chegaria ao fim. Queria ainda acreditar em Deus para quem sabe barganhar, para implorar que todos conseguissem se manter vivos, que Guilherme e Melissa conseguissem proteger Mei até o fim e pedir para tomar somente a minha vida, deixando Hector a salvo. Mas não, eu não acreditava. Aquele mundo tirou coisas demais de mim para isso.
Eventualmente mesmo esses questionamentos se tornaram irrelevantes, pois algo acontecera do lado de fora. Um barulho que poderia passar quase despercebido por alguém que não estivesse atento no momento certo. Um baque surdo, tão assustadoramente parecido com o som que fazia quando meu bastão colidia com os zumbis que quase me fez desconfiar que eles estavam ali dentro. Aproximei-me da porta com as pernas bambas, na esperança de tentar identificar pelo vão alguma coisa. Sentia minhas mãos suando, imaginando se teria de lutar pela vida agora.
— Rebeca, sou eu.
O alívio que a voz de Hector me trouxera era indescritível simplesmente por significar que ele estava vivo. Ainda assim, precisei me manter cética, temendo que alguém o trouxera ali para tentar arrancar alguma informação com nós dois juntos.
— Hector? Hector, você está-
Minha frase morreu no ar em antecipação quando ouvi o barulho da chave girando na tranca. Busquei, por impulso, por minha faca, mas meus bolsos estavam vazios. Pensei rapidamente no golpe que Paulina nos ensinara, torcendo para que nunca chegasse uma hora para usá-lo.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...