Capítulo 50.

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— E como está a dor?

Ainda era difícil me sentir completamente à vontade, sozinha em um quarto de hospital com uma desconhecida. Principalmente depois de Klaus, eu não podia evitar ficar atenta a cada movimento daquela mulher, cada objeto que segurava, como se um segundo de descuido bastasse para ela tentar me ferir.

Mas a perplexidade de ver Hanna tirando o estetoscópio do pescoço e o usando para checar meus batimentos cardíacos me atordoou por alguns instantes. Eu nunca esperava ir a um médico novamente. Viver tantos meses em um apocalipse havia afetado a minha capacidade de achar normal coisas que deveriam ser... Bom, normais.

— Horrível — respondi, respirando fundo para tentar suprir a agonia no momento em que ela começou a desfazer o curativo sujo de sangue em minha perna.

— Certo, vou aumentar sua medicação — ela deu um sorriso e quando começou a limpar o buraco de bala, uma onda gélida de dor atravessou o meu corpo — Para ser sincera, é um pouco estranho para mim cuidar dessa parte.

Suprimi um gemido de dor, apertando com força os cobertores.

— Como assim? — arfei. Queria fazer alguma piada com o fato de não ser muito tranquilizador ouvir aquilo de uma médica, mas a súbita explosão de dor acabou momentaneamente com o meu humor.

— Na verdade eu sou ginecologista — ela sorriu para mim, com bandagens ensanguentadas em uma mão — quem cuidou de você quando chegou foi o Anderson, que é o clínico geral. Ele passou para mim pois achamos que você se sentiria mais confortável.

Meus olhos se perderam nos dela por alguns segundos, um sentimento parecido com incredulidade passando por mim. Lembrei que logo no começo do apocalipse, Melissa queria começar a tomar anticoncepcionais para parar de menstruar, assim como eu fazia, mas como não tínhamos acesso a um médico — e Alana se recusava a receitar remédios (agora eu reconhecia que ela estava certa) — minha amiga simplesmente aceitou que precisaria conviver com as cólicas, além dos zumbis. Em outro momento, desconfiei estar com uma infecção urinária e pedi ajuda para Alana; novamente, sem acesso a um profissional da área, resolvemos apostar em métodos naturais que ela conhecia. A menstruação de Victória atrasou por dois meses seguidos sem qualquer motivo aparente. Outro dia eu brinquei com Melissa sobre como eu queria ter colocado um DIU antes do apocalipse zumbi começar. Tantos problemas que confidenciamos entre nós, questões que começamos a entender como sendo parte daquela nova vida de sobrevivente que levávamos.

Agora eu estava ali, tendo minha pressão medida por uma ginecologista. Não por falta de opção em uma situação de emergência, pois eles também dispunham de um clínico geral. Meu Deus, Tom havia passado por uma cirurgia!

Se Hanna estranhou os segundos que passei encarando-a, em um torpor idiota, com certeza devia ter achado que havia algo de errado comigo quando comecei a rir.

— Do que você está rindo? — para a minha surpresa, o sorriso dela apenas aumentou, contagiada pelas minhas risadas — Rebeca, do que estamos rindo?!

Não estávamos rindo mais. Estávamos gargalhando. Porque Hanna havia sido contagiada pela minha reação bizarra — e que culpa eu tinha? Tudo era bizarro! — e agora nenhuma de nós conseguia parar de rir. Somente quando minha barriga já doía consegui encontrar autocontrole o suficiente para me permitir inspirar profundamente e o fato disso ter feito todos os machucados do meu corpo latejar desencadeou mais um acesso de riso.

Fazia muito tempo que eu não ria tanto. Muito tempo que eu não podia sentir o alívio de não precisar arriscar a vida ou lamentar a morte de alguém.

— D-desculpa — falei, ainda tentando segurar a risada. Hanna estava com as bochechas completamente vermelhas, sua expressão fazia parecer tanto que estava diante de uma louca quanto que eu tivesse contado a melhor piada do apocalipse — eu só... Não consigo acreditar. Tudo isso parece loucura. Eu nunca achei que veria um médico de novo!

Em DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora