Eu nunca gostei do inverno enquanto morava no litoral de Santa Catarina. Agora, quanto mais nos afastávamos para lugares ainda mais frios do estado, eu tinha certeza que o odiava.
Pelo menos o pessoal do hospital teve a decência de nos emprestar roupas adequadas. Lá era frio, mas tínhamos paredes e janelas para conter o vento forte. Do lado de fora, as mãos tremendo e as camadas de roupas comprometiam a movimentação e o simples ato de matar um zumbi se tornava significativamente mais complicado. Por outro lado, agora eu tinha luvas de couro junto com a minha jaqueta, que garantiam proteção a todo o meu braço, dando-me maior segurança para matar os zumbis de perto, segurando suas cabeças e enfiando o facão pela cavidade dos olhos. A sensação nunca se tornava menos desagradável, infelizmente.
Matar um zumbi não era uma ciência exata e cada um tinha a sua preferência. Sentia um pouco de saudades do meu bastão, mas estava me acostumando com uma aproximação rápida para enterrar uma lâmina em seus cérebros. Apesar de me manter em forma e ter começado a levantar peso, eu ainda tinha a estatura de uma garota de dezessete anos, e combater zumbis grandes sempre era desgastante demais. Paulina não era muito maior do que eu, apesar dos braços terem mais músculos, mas preferia usar uma barra de ferro simplesmente por ter repulsa à ideia de se aproximar demais dos zumbis. Leonardo era muito mais forte (como seu corpo musculoso bem denunciava) e fazia parecer que cravar um machado no crânio das criaturas, derrubá-los com o golpe e arrancar a lâmina em seguida era fácil.
— Tudo bem, Rebeca? — falando nele, a voz grossa desviou minha atenção do zumbi caído no chão que eu encarava há alguns segundos, perdida em pensamentos e recuperando o fôlego.
— Tô bem, não se preocupa.
— Ótimo, porque estamos aceitando ajuda aqui! — Paulina arfou, olhando-me feio enquanto segurava a barra de metal ensanguentada.
Estava sendo grossa porque não achava que eu deveria estar aqui. Talvez estivesse tentando me exaustar para eu admitir que não foi uma boa ideia e pedir que me levassem de volta ao hospital. Apesar da atitude difícil, Paulina se preocupava com o bem de todos e tinha medo que eu não aguentasse o tranco de voltar a matar zumbis pouco mais de uma semana após a luta na oficina, meus machucados sequer inteiramente cicatrizados. Eu não ligava para a grosseria, na verdade, sentia-me feliz pelo carinho implícito por trás.
Respirei fundo, certifiquei-me que não estava blefando ao assegurar que me sentia bem e voltei a cobrir Paulina e Leonardo. Era incrível como nos aproximamos em tão pouco tempo — devido às circunstâncias extremas. Confiar a sua vida em pessoas até então estranhas em uma guerra contra um grupo de neonazistas dispostos a te estraçalhar era algo que obrigava a criar laços rápidos. Agora, em uma corrida contra o tempo, precisávamos trabalhar juntos para reunir a quantidade de mantimentos exigida como pagamento pelo grupo do hospital.
Depois de alguns minutos de esforço para limpar a rua atrás do supermercado, Paulina falou:
— Acho que dá para começar! Leonardo, pode quebrar o vidro. Eu e a Rebeca trazemos os carros.
Assenti e cada um de nós iniciou sua parte do plano, bolado em conjunto por nós três. Enquanto Paulina e Leonardo começavam uma limpeza silenciosa dos cadáveres reanimados da rua, eu chequei os carros próximos por algum que ainda estivesse com as chaves (e funcionando). Viemos com um dos caminhões roubados no dia da oficina e uma ambulância com a traseira vazia, cedida pelo grupo do hospital. O objetivo era simples: entrar no mercado e encher os dois carros o mais rápido possível. Voltar no dia seguinte e repetir o processo. Fazer isso até levar tudo de útil daquele supermercado.
Anderson nos apontou aquele local no mapa, pois sabiam de antemão que não havia sido saqueado. Aquele lado era mais movimentado, próximo ao centro, e antes estava infestado de zumbis. Como supúnhamos (e foi confirmado pelas visitas iniciais com Guilherme), as explosões que criamos foram altas o suficiente para atrair criaturas de bairros próximos e, em um efeito dominó, diversas hordas se direcionaram para lá, abandonando suas antigas áreas. Ainda haviam zumbis o suficiente para exigir cuidado e foi necessário que nos mantivéssemos na rua de trás, pois a principal ainda estava significativamente infestada, mas após uma limpeza rápida e silenciosa que nos tomou quase meia hora, a maioria deles estava de fato morto, restando apenas alguns errantes que se aproximavam, atraídos pela confusão.
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Em Desespero
HorrorLIVRO 2. O mundo como conhecia está destruído e Rebeca vaga pelos seus escombros. Após encarar a morte de frente, encontrar novas pessoas por quem lutar e um lar para proteger, finalmente achava que tinha aprendido a lidar com aquele mundo. Porém o...