XXXIV

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Juliana


Acordei quando ouvi algo quebrando na cozinha, acompanhado de um grito de dor. Eu calcei os chinelos e corri, encontrando Samuel com a mão ensanguentada e um monte de cacos de vidro sobre a bancada. No rosto dele, a expressão dolorida do dia em que eu o acertei, quase infantil, prestes a chorar e o sangue escorrendo pela mão.

- O kit de primeiros socorros está no banheiro? – perguntei e ele assentiu.

Não demorei a voltar para a cozinha e ir até ele, que estava realmente quase chorando. O corte não parecia grande e eu o conduzi até uma banqueta longe dos cacos de vidro e ele sentou, me olhando apreensivo. Por sorte o kit era realmente completo e, com a pinça, eu consegui tirar os cacos de vidro que estavam na pele, observando Samuel se retorcer de leve, sem desprender os olhos de todos os meus movimentos.

O corte não parecia fundo o suficiente para precisar de pontos, limpei a pele e ele soltou um resmungo tão sofrido quando passei o álcool para limpar a região que eu tive pena, mas precisava fazer aquilo e deixar a área limpa e desimpedida. Talvez não precisasse ir ao hospital.

- Obrigado. – Samuel resmungou quando terminei de limpar e estava prestes a revirar a maleta em busca de uma pomada para passar antes de fazer o curativo.

- Acho que não precisa ir ao médico, não parece fundo o suficiente pra precisar de pontos. Você está sentindo alguma coisa no ferimento? Alguma coisa arranhando ou algo que indique que ainda tem caco de vidro dentro? – perguntei e ele olhou para o corte, mexendo a mão de um jeito lento e fazendo careta. – Tem?

- Não, só doeu pelo movimento. – resmungou. – Não sabia que você era boa com essas coisas.

- Fiz um curso de primeiros socorros. – dei de ombros. – E presenciava muita coisa quando morava na Kappa. As meninas de enfermagem sempre faziam suturas pra treinar e eu acabei aprendendo algumas coisas. Eu vou passar a pomada e fazer um curativo, você vai ficar com essa mão quieta, troco o curativo no fim do dia. Se sentir alguma coisa, vamos ao hospital pra eles darem uma olhada se não ficou algum caco de vidro aí dentro.

- Tá. Obrigado mesmo.

- Tudo bem, não precisa agradecer, não fiz nada de excepcional.

- Você podia ter ignorado.

- Eu sou mais civilizada do que você pensa, Samuel. – respondi, voltando pra perto dele com a pomada em mãos. – O que você ia fazer? O café da manhã?

- Já tá feito. Eu ia pegar água e bati o copo com força demais na bancada, mas foi sem querer.

- Então você vai comer e ficar quieto. Se doer, eu tenho analgésico.

- Eu ia limpar a casa e fazer comida.

- Tenho duas mãos e habilidade suficiente pra fazer as duas coisas, então você vá deitar e ficar quieto se não quiser ficar sem mão.

- Você? Dondoca desse jeito? – ele deu uma risadinha debochada ao falar.

Minha vontade foi responder jogando na cara dele todas as vezes que fiz limpezas pesadas na Kappa e no meu antigo apartamento, sem contar todas as que fiz no abrigo e em outros espaços que o abrigo usou para eventos de arrecadação de dinheiro ou pra outras coisas, mas fiquei calada. Não era da conta dele e eu prefiro evitar os comentários absurdos que ele provavelmente fará a respeito.

O sorriso pequeno foi minha resposta antes de passar a pomada pelo corte e Samuel reclamar da dor, fiz o curativo e peguei as coisas esterilizáveis antes de guardá-las e de descartar o as gases e algodões. Samuel continuava me olhando limpar tudo com cuidado, secar e guardar no devido lugar, depois juntar os cacos de vidro e jogar fora de forma que não pudessem machucar outras pessoas ou animais e limpar a bancada em que algumas gotas de sangue estavam.

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