Os cortinados estavam corridos, o quarto escuro, a única fonte de iluminação era somente as máquinas do hospital e o silêncio reinava, apenas uma respiração carregada e ofegante se ouvia. Passos se fizeram ouvir igualmente no meio da penumbra envolvente.
Henrique suava, as gotas de transpiração faziam-se cair pela sua tez, a respiração era lhe cada vez mais dificultada, os olhos fechavam-se com intensidade, o coração batia de modo acelarado mas incontrolável.
Um subtil aroma invadiu Henrique, era suave e delicado, apercebeu-se de estar a acordar lentamente, a regressar à realidade, por mais horrível e obscura que esta fosse. Sentiu um toque demorado na sua bochecha, quando este mesmo toque cessou, abriu os olhos verdes e perante eles estava uns grandes olhos azuis a contempla-lo. Os olhos que observava pareciam sorrir, os lábios vermelhos riam e as maçãs do rosto começavam a tomar uma tonalidade rosada.
- Bom dia. - disse envergonhadamente Aurora. - Trouxe-te o pequeno almoço.
Henrique foi invadido por um sorriso, apoiou as mãos sobre a cama e forçou o tronco a colocar-se direito, era lhe dificil, pois as pernas imobilizadas eram pesadas.
- Porra, para este peso morto.
Era a primeira vez que Aurora o ouvia a falar das pernas e da sua paralesia, esta também não se sentia à vontade para tocar no assunto, por essa razão fez os possíveis para que o dia anterior tivesse o melhor clima, sem mais tragédias. Infelizmente, tinha presente na sua consciência que não poderia ignorar o assunto por muito mais tempo.
- Já sabes se é permanente?
- O médico diz que só com o tempo é que se pode ter certezas. - esclareceu Henrique.
Novamente o silêncio reinou sobre o quarto ainda escuro, não era daqueles inconvenientes e desconfortáveis, não, este era diferente, este silêncio em que a base era formada por sentimentos de culpa, a tristeza e dor. O silêncio assimilava-se ao ar, com diferentes componentes nele presente, em que todos eram negativos e carregados de angustia. Numa tentativa de quebrar o silêncio, Aurora disse:
- O Senhor Henrique, gostaria de tomar o seu pequeno almoço?
- Claro.
Aurora afastou-se da cama, dirigiu-se à porta que dava acesso ao corredor, saiu do quarto, quando voltou a entrar trazia consigo um carrinho cheio de comida e bebidas. Dispôs o carrinho à beira da cama e acendeu o pequeno candeiro da mesinha de cabeceira.
- Como menu de hoje temos: wafles com diferentes coberturas como compota de morango, chocolate e chantilin, temos ainda panquecas e scones de manteiga, para beber dispomos de: chá de tilia ou lucia-lima, iogurte grego e ainda café com leite.
Ambos contemplavam o banquete trazido por Aurora.
- Como é que conseguiste?
- Tive uma ajudinha da Angela que conhecia o cozinheiro do hospital e de uma enfermeira que se esqueceu da sua bata no meu quarto.
Ambos riram, como não riam à já algum tempo.
- Então o que é que o senhor deseja?
- Ahhhhh, decisão complicada. Secalhar...Tudo.
- Ok e quer começar por onde?
- Eu acho que por ti! - uma voz vinda do exterior do quarto se fez ouvir entre gargalhadas produzidas por diversas pessoas, as luzes acenderam repentinamente.
Depois de se habituarem à luminosidade presente no quarto, Aurora e Henrique repararam na figura alta e de cabelo preto aproximar-se dos mesmo. Uma cabeça ruiva apareceu na porta.
- Achas mesmo que te ajudava com o cozinheiro e não vinha petiscar algo. - disse entre gargalhadas.
Atrás da rapariga ruiva vinha outro individuo alto e moreno.
- O que é que fazem aqui? - perguntou Henrique.
- Tinhamos saudades tuas! - disse Rodrigo, que abraçou Henrique, de seguida Angela e por fim Gonçalo. Estavam lá todos.
Aurora correu para Angela abraçando-a, beijou-lhe a face quinhentas vezes e depois deixou-a ir quando Gonçalo se impôs.
- Ok já tens o teu amor, não andes a roubar o meu. - disse Gonçalo, fazendo com que Aurora cora-se com o comentário.
Aurora tinha noção que o sentimento que tinha por Henrique era algo mais que amizade, mas não sabia o que era. Seria amor? Não podia determinar isso com precisão pois nunca estivera apaixonada anteriormente, apreciava a sua companhia, o seu sorriso fazia-a sorrir também, o seu dia ficava iluminado na presença dele, mas tinha receio. E se estivesse enganada e isto fosse tudo sentimentos por estar longe de casa, longe da familia e daquilo que conhecia e que estava habituada? Não sabia, e por isso tinha receio, receio do desconhecido, receio de estar a explorar sentimentos que não sabia a sua origem ou significado.
Pondo os seus pensamentos de lado, Aurora concentrou-se nos cinco amiogos que se encontravam reunidos, à volta da cama de Henrique, a conversar, a rir, a comer, a discutir situações sem sentido, a recordar momentos passados, a planear momentos do futuro mas a desfrutar o momento do presente.
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a cor da vida
Ficção AdolescenteA história de uma rapariga de 16 anos, que foge para Londres onde faz um amigo para a vida e onde desenvolve o seu conhecimento e paixão pela música e pelas artes.