Capítulo 11 - Sephora

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SEPHORA

Assim que a sessão do Conselho terminou, o ritmo de agitação apenas se intensificou. Prontamente, todos os sereianos que estavam assistindo abandonaram a segurança de Salarka para ajudar na transferência dos vermillianos de Dause para Ylark ou Vern.

Os sereianos integrantes dos grupos de pesquisa e de construção, por sua vez, foram incumbidos da árdua tarefa de liberar suas cavernas e desocupá-las para que os curandeiros pudessem usá-las.

Aquele era um trabalho particularmente exigente para Sephora e seus colegas, uma vez que Ylark era atulhada de bens humanos cuja finalidade eles ainda não haviam decifrado. Revezando-se para manter sua hidratação, eles demoraram cerca de cinco horas para conseguir recolher todos os itens espalhados pelo interior da câmara e enfiá-los dentro de sacolas de alga que lhe haviam sido fornecidas pela equipe de logística. Em seguida, nadaram até Dause e passaram as próximas horas ajudando a transportar os vermillianos doentes para Ylark.

No fim das contas, a caverna de pesquisa teve a capacidade de abrigar oitenta vermillianos, sendo que Pliz ordenou que cinco curandeiros fossem transferidos juntos com os doentes, prometendo que designaria pelo menos o triplo desse número de voluntários para auxiliá-los.

Quando tudo finalmente estava terminado, Sephora nadou o mais rápido que pôde de volta para Salarka; seu estômago se contorcia, faminto, e, àquela altura, as equipes de caça certamente já haviam retornado com a refeição para todos. E, naquele momento, tudo o que a sereia mais queria era comer alguma coisa e descansar.

Agilmente, esgueirou-se para dentro de um coral, passou pela entrada de Salarka e atravessou o túnel como se sua vida dependesse disso; quando finalmente chegou à Câmara Principal, ela estava completamente lotada de bleurs que se agitavam, provavelmente também esperando pela sua chance de se servir.

Identificou Myr flutuando calmamente, acompanhado por Garr e Bown, ambos seus amigos desde a época em que eram apenas trintens e companheiros de caça; ele pareceu sentir os olhos dela sobre si, porque no segundo seguinte desviou os olhos na sua direção e, em seguida, nadou até ela.

“Então, você voltou”, Sephora soniu, incapaz de esconder o seu alívio.

“Olha, eu fico realmente ofendido com esse seu tom de surpresa”, Myr resmungou em resposta, “Para a sua opinião, essa caça foi muito proveitosa e fui uma peça essencial para que tudo desse certo”.

“Estou feliz em ouvir isso”, Sephora respondeu, pressionando uma das mãos contra a barriga, sentindo seu estômago roncar, “Estou morta de fome. O que temos para jantar?”

Os lábios de Myr se esticaram num sorriso presunçoso, que deixou a sereia desconfiada antes mesmo que seu sonar transmitisse sua resposta.

“Tubarão”, o tritão caçador informou, “Três, na verdade”.

“MYR!”, Sephora exclamou, seu sonar saiu numa frequência tão alta que alguns sereianos próximos voltaram-se na direção deles para verificar o que estava acontecendo, “Eu disse para você ficar longe deles!”

“É, você disse. Mas tem aquela parte da história em que você não manda em mim”, ele rebateu, num tom de voz que tinha algo de contrariado e divertido, “Além do mais, nós éramos em maior número, com lanças; eles nunca tiveram chance, Seph. E todos sabem que a carne dos tubarões é mais nutritiva e não é mistério para ninguém que os vermillianos vão precisar de tudo o que pudermos oferecer para se recuperarem”, ele concluiu, “Então, seja um pouco menos paranoica com o meu bem estar e um pouco mais grata pelas minhas habilidades”.

Sephora soltou um silvo resignado, mas concordou com um aceno de cabeça.

“O que tem para mim?”, perguntou, afinal.

Por mais que os caçadores tivessem trazido os tubarões para servirem de alimento para o bando, não era carne o suficiente para todos e, de acordo com o esquema de distribuição de alimentos dos Bleurs, as comidas mais nobres eram distribuídas por critérios de prioridade.

Em primeiro lugar, vinham os doentes. Eles eram servidos com as melhores comidas como uma forma de garantir que se recuperassem. Depois, vinham as sereias grávidas, que eram recompensadas pelo fardo de trazer uma nova e preciosa vida dentro de si. Em seguida, vinham os trentins que, jovens, precisavam da carne nobre para garantir que cresceriam de forma adequada. Após, os sennos, ou seja, todos os sereianos que já haviam ultrapassado os dois mil, oitocentos e oitenta ciclos lunares, como um agradecimento pelo período em que serviram ao bando. Por fim, os dautos se serviam, de acordo com o critério etário, os mais velhos preferindo aos mais jovens.

Era justo, Sephora achava. De certa forma, todos os sereianos tinham, em algum momento de sua vida, a oportunidade de alimentar-se com a carne de melhor qualidade e, geralmente, nos períodos de sua vida em que mais precisavam disso.

“Caçamos barracudas e badejos o suficiente para todos”, Myr garantiu; lançou um olhar na direção dela, parecendo agora mais preocupado do que emburrado, “Você está bem? Parece exausta...”

“Foi um longo dia, bem como você disse que seria”, ela respondeu cansada, “Precisamos limpar Ylark para que os curandeiros pudessem realocar os vermillianos que precisam de tratamento lá. Acho que vou ficar como voluntária para...”

“Espere”, ele a interrompeu, “Vamos até a equipe de distribuição de comida, Seph. Você precisa comer alguma coisa. E, então, você pode me explicar o que foi decidido no Conselho”.

Sephora concordou, grata, e os dois nadaram juntos para dentro de um dos inúmeros túneis que davam acesso para a Câmara Principal. Ao fim do túnel, havia uma câmara menor onde dois sereianos trabalhavam freneticamente, pegando peixes – alguns já mortos por causa dos arpões usados pelos caçadores e outros ainda se remexendo, vivos – e cuidavam de exterminá-los, cortar a cabeça e a cauda fora, e entregar o resto para os sereianos que chegavam.

Quando Sephora chegou, cumprimentou Yorth, o tritão responsável pela distribuição da comida; apressado, ele resmungou um cumprimento de volta e pegou um badejo já morto de aproximadamente trinta centímetros. Sem nenhuma cerimônia, Yorth dividiu o corpo dele no meio, entregando uma das metades para a sereia e a outra para um tritão que estava atrás deles.

Evitando causar maiores transtornos para o tritão e sua equipe, Sephora e Myr nadaram de volta para a Câmara Principal. Quando finalmente encontraram um lugar mais tranquilo onde podiam conversar, a sereia já estava na metade do seu pedaço de peixe, sentindo-se satisfeita.

“Sobre o Conselho”, Myr soniu, afinal, incentivando-a.

“Ah, sim!”, Sephora terminou de mastigar o pedaço que tinha na boca antes de prosseguir, “Foi bem interessante. No fim, ficou resolvido que todos temos que cooperar com a equipe da Pliz. Minha equipe e a equipe de construção tiveram as atividades suspensas indeterminadamente e os curandeiros usarão Ylark e Vern para atender os vermillianos intoxicados. A equipe de exploração vai procurar por algas e medicamentos. Além disso, resolvemos pedir ajuda dos submersos”.

Myr pareceu se interessar com esse último pedaço de informação.

“Os submersos? Mesmo? E como pretendemos fazer isso, exatamente?”, ele questionou, os olhos presos nos de Sephora.

“Bem...”, ela começou.

Mas antes que pudesse concluir, um sonido alto e imponente foi sentido.

“MYR”, o sonar proferido por Cisus foi tão poderoso que, por um segundo, toda a Câmara Principal pareceu ficar em silêncio, “EU PRECISO FALAR COM VOCÊ. NESSE INSTANTE”.

Myr e Sephora trocaram olhares por apenas uma fração de segundos, mas na mente da sereia aquele momento pareceu durar uma eternidade. Algo lhe dizia que Myr saberia em breve como o Conselho havia resolvido pedir pelo auxílio dos submersos, e isso a deixou muito preocupada.

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