Capítulo 6 - Bianca

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BIANCA

Depois de vinte minutos sobre a escuna, os contornos da Ilha do Marujo finalmente se fizeram visíveis e Bia experimentou a familiar sensação de retornar ao lar, depois de meses afastada.

Não importava que ela tivesse vivido desde seu nascimento até os vinte e dois anos no apartamento dos pais na zona oeste de São Paulo, nem que nos dois anos seguintes tivesse dividido um apartamento com uma garota do interior de Minas Gerais que cursava medicina na mesma faculdade que ela cursava biologia, em Campinas.

A verdade era simples: como quase todos os fiéis habitantes da ilha, aquele pedaço de terra rodeado pelo mar fora, muitas vezes, cenário e protagonista de suas maiores aventuras e descobertas.

Bianca poderia fechar os olhos e se esforçar o máximo que tentasse, mas haveria poucas boas memórias de sua vida que não tivessem acontecido dentro daqueles oito mil metros quadrados paradisíacos.

Dera seus primeiros passos trôpegos e incertos dentro do salão de refeições, perante os olhos cheios de lágrimas de sua avó e de sua mãe. Perdera o primeiro dente com a ajuda do avô, algumas semanas antes do natal, o que havia lhe rendido um presente “extra” do Papai Noel na forma de uma nota de cinquenta reais. Dera seu primeiro beijo escondida de seus pais, atrás do gazebo. Entornara sua primeira taça de espumante ilegal contrabandeada por Zeca, na sua pequena praia abandonada, enquanto observava os fogos de artifício colorindo o céu escuro e sentindo-se muito adulta, com o estômago borbulhando agradavelmente sob o efeito da bebida.

Fora ali que conhecera Sephora. A pequena praia do píer velho, no canto mais afastado da ilha, já havia presenciado diversos mergulhos noturnos, observação de estrelas e tentativas desesperadas de comunicação.

Tudo o que ela tinha de mais precioso, todos os melhores e mais marcantes momentos de sua vida, tinham acontecido ali. Então, não importava que houvesse outras camas nas quais ela se deitava com mais frequência, outros locais onde ela passasse um número maior de dias durante o ano; aquela era a sua casa e nada poderia mudar aquilo.

Soltou um suspiro, observando o píer se aproximando e sentindo a escuna começar a deslizar lateralmente, enquanto Zeca, habilidoso, se preparava para atracar a embarcação e fazer o desembarque dos hóspedes que, ansiosos, murmuravam palavras encantadas à medida que os detalhes da pousada se tornavam mais visíveis.

- Uaaaaaau! – a pequena Amanda exclamou, apertando as duas mãozinhas nas bochechas, a boquinha assumindo um formato circular – É tão liiindo.

Bianca não pôde evitar sentir o orgulho inflando dentro de si, inundando-a como uma onda calma e morna; a sensação de satisfação que a atingia sempre que percebia a reação positiva dos futuros hóspedes era indescritível.

Quando o casco da escuna esbarrou com suavidade contra os pneus que eram amarrados ao píer, Bianca rapidamente desceu da embarcação e começou a ajudar os hóspedes a fazerem o mesmo, com um sorriso no rosto e desejando a todos uma boa estadia.

- Mas será possível que você não pode só por um momento fingir que é minha neta e me dar um oi? – a voz de Patricia Velasquez fez-se ouvir às suas costas.

Bianca abriu um largo sorriso, mas só conseguiu se virar para encontrar o rosto bondoso e alegre da avó depois de terminar de ajudar uma mulher a descer da escuna para o píer.

Ali estavam os mesmos olhos castanhos que sempre lhe dirigiam olhares carinhosos e compreensivos; os cabelos dela costumavam ser escuros, mas quando se tornaram totalmente grisalhos, Patricia Velasquez optou por tingi-los num tom loiro escuro que combinava com o seu tom de pele.

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