ALEX
Alex estava furioso consigo mesmo. Mal conseguiu dormir durante a noite e, nas poucas ocasiões em que chegou a conseguir flutuar para o mundo dos sonhos, era assolado por cenas confusas envolvendo a estranha criatura que havia encontrado na câmara secreta da caverna e os olhos de Bianca, irritados e cheios de lágrimas, enquanto ela berrava com ele, sem lhe dar a oportunidade de se explicar.
Ele havia concluído que teria conseguido uma confissão fácil dela, depois de jogar todos os indícios sobre a mesa e informar-lhe de que sabia sobre a existência das sereias. Chegou até mesmo a imaginar que ela ficaria contente em ter alguém com quem compartilhar aquele segredo e as experiências.
Mas ele sequer cogitou que fosse acontecer o que ocorreu. Não as lágrimas intermináveis e inexplicáveis; muito menos aquele ódio, frio e determinado, que havia sido dirigido a ele.
Ela saiu do seu chalé fechando a porta com tanta força que um dos quadros que ele tinha pendurado, uma foto polaroide do veleiro de seu avô antes de ter deixado o porto de Angra dos Reis, se soltou o prego e caiu no chão, rachando o vidro da moldura.
Eram quase cinco horas da manhã quando ele desistiu de lutar com a insônia e os sonhos confusos. Levantou-se da cama e enfiou-se no banheiro, ligando o chuveiro e despindo-se dos shorts que usava para dormir antes de se enfiar embaixo da água gelada.
"O que significava tudo aquilo?", ele se perguntou, enquanto seu cérebro repassava todas as cenas da noite anterior na sua cabeça, "Está certo. Bianca estava chocada. E depois triste. E depois furiosa. Em momento nenhum ela confirmou a existência das sereias, mas não negou. Eu não consigo entender!", furioso, ele socou a parede e sentiu os ossos se comprimindo de forma dolorosa contra os azulejos frios e escorregadios; não era muito inteligente, mas, de certa forma, a dor aliviou um pouco a pressão que sentia dentro da cabeça.
Sentindo a mão latejar, ele saiu do chuveiro e enrolou-se numa toalha. Trocou-se e saiu para tomar café da manhã, metade dele receoso de encontrar com Bianca e a outra ansiando por esse momento.
Alex não sabia lidar com aquela sensação estranha de que algo estava fora do lugar; ele conseguia entender que o fato que ele vira a sereia tinha sido o catalisador de todos os eventos, mas não conseguia compreender as reações da mulher. Por mais que se esforçasse, não conseguia sequer vislumbrar os motivos por trás das palavras sussurradas, das lágrimas imprevisíveis e do rompante de raiva.
À distância, ele conseguia ver que a luz da cozinha estava acesa. Ao abrir a porta, congelou por um segundo onde estava, quando seus olhos identificaram Bianca, sentada com as costas virada para ele.
- Não conseguiu dormir também? – ele perguntou, precisando juntar toda a coragem que tinha para empurrar as palavras pela garganta, incerto do que viria em seguida.
Bianca virou-se de forma a observá-lo por cima dos ombros; ele conseguia ver as olheiras por baixo dos grandes olhos cor de mel e seu rosto tinha uma expressão ilegível. Soltando um suspiro cansado e sem dizer uma só palavra, ela se voltou para frente.
"Não é excelente", ele pensou, ousando dar alguns passos para dentro da cozinha; pegou uma xícara e percebeu que a cafeteira estava vazia. Com um suspiro, começou a preparar o café, "Mas é melhore que lágrimas e berros enraivecidos".
O silêncio reinou no recinto, mas Alex optou por interpretar o fato de que ela não tinha se levantado e saído de lá assim que ele chegou como um sinal de que, talvez, uma conversa fosse possível.
Assim que o café ficou pronto, ele encheu sua xícara e se sentou de frente para Bianca; percebeu quando ela bufou e revirou os olhos, como se já estivesse prevendo o que viria a seguir.
- Bianca, será que a gente pode só... falar sobre o que aconteceu? – ele perguntou, num tom de voz suave e apenas um pouco acima de um sussurro.
- Não, Alex – ela sibilou, num tom cansado de quem havia passado a noite inteira se debatendo na cama, assim como ele – Não podemos.
- Por quê? – ele questionou, exasperado.
Ela esfregou o rosto com as mãos, parecendo tentar controlar uma vontade de berrar ou bater nele; talvez os dois simultaneamente.
- Você não entende? – ela rosnou, mantendo sua voz baixa – É formado em biologia, não é? – ele concordou com um aceno de cabeça, relutante – Não é estranho que ninguém saiba sobre a existência das sereias? Que ossadas nunca tenham sido descobertas? E, ainda assim, você viu uma? – ela sussurrou, com urgência – Não te ocorre que talvez haja um motivo para isso?
- Então... – ele hesitou, piscando os olhos acima da xícara de café, enquanto seu cérebro cansado fazia as conexões – Elas estão se escondendo? É isso? Ninguém pode saber?
Bianca observou-o com uma expressão levemente perplexa por alguns segundos e, depois, escondeu o rosto, soltando uma espécie de berro abafado. Quando finalmente ergueu o rosto das mãos, ela tinha uma expressão austera e desprovida de qualquer emoção.
- Nós. Nunca. Vamos. Falar. Sobre. Isso – ela sibilou, os olhos fixos nos dele, exigindo sua completa atenção – Ninguém. Pode. Saber. Entendeu?
- Mas... – ele começou, sentindo como se tudo à sua volta estivesse girando.
Como era possível que ele estivesse tão perto e, ao mesmo tempo, tão desesperadamente distante do seu objetivo?
Antes que ele pudesse terminar sua reclamação, no entanto, Patricia entrou na cozinha, cantarolando; interrompeu-se parecendo levemente surpresa ao encontrar os dois sentados na mesa e, em seguida, tentou esconder um sorriso satisfeito.
- Bom dia, crianças – desejou, enquanto se movimentava pelo recinto com naturalidade, abrindo a geladeira e pegando uma jarra de suco de laranja – O que fazem aqui tão cedo?
- Tomando café da manhã, vó – Bianca respondeu, sua voz era leve e tranquila, enquanto sorvia o resto do conteúdo na sua xícara de um só gole e se levantava, deixando Alex sozinho sentado na mesa – Mas eu já preciso ir. Nos vemos mais tarde – ela disse, caminhando até a avó e dando um beijo estalado na sua bochecha.
A dona da pousada sorriu para a neta e virou-se para pegar um copo no armário, ficando de costas para o casal; quando Alex olhou para Bianca, encontrou os olhos dela fixos sobre ele, com um tom de aviso. "Nunca", ela moveu os lábios, sem pronunciar som algum.
E, então, girou sobreos calcanhares e saiu da cozinha, deixando-o para trás com algumas meiasrespostas e muitas outras novas perguntas.
Continua...
N/A: Aqui está mais um capítulo, sereianos!
Estamos chegando ao final da primeira parte!
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Gii Zwicker.
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Segredos Submersos
Bilim KurguTodos possuem segredos. Alex vem secretamente seguindo os passos de seu avô, que desapareceu numa expedição que tinha por objetivo comprovar a existência das sereias, com a esperança de redimir sua memória. Para isso, começou a trabalhar na Pousada...