Capítulo 30 - Sephora

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SEPHORA

A equipe de exploração havia encontrado mais limpatis e, agora, Ylark inteira cheirava à alga. Lentamente, alguns dos vermillianos começaram a mostrar discretos sinais de melhora; ainda estavam fracos, mas alguns vinham recobrando a consciência e já não precisavam mais serem carregados até a bolsa de água para as sessões diárias de hidratação, o que era inegavelmente algo que preenchia os bleurs de esperança de que as coisas poderiam dar certo.

Pliz, que sempre passava por todas as cavernas para ser informada pelos curandeiros chefes a respeito dos pacientes, parecia um pouco menos fatigada, mas Sephora a conhecia bem o suficiente para saber que ela só ficaria completamente tranquila quando o maior número possível de vermillianos estivesse de volta ao mar e a atuação dos curandeiros voltasse a se limitar a Dause.

Naquele dia, no entanto, um outro membro do Conselho apareceu para visitar os sereianos adoecidos; o corpo grande de Cisus impulsionou-se para fora da água com grande facilidade e ele deu um aceno discreto na direção de Sephora, antes de rastejar habilidosamente entre os doentes.

Estava indo em direção a Thoryn, quando uma voz débil de um vermilliano deitado no chão chamou sua atenção, sussurrando o nome do limen da equipe de segurança com grande esforço.

“Ciiisus, Ciiiisuuus”, o tritão avermelhado repetia, insistentemente.

O conselheiro virou-se na direção do som e aproximou-se de sua origem, parecendo preocupado com o que via.

“Olá, Bronn”, Cisus respondeu, sua voz grave reverberando no interior da caverna, “Como está se sentindo, meu velho amigo?”

Sephora observou o vermilliano esforçando-se para conseguir falar, seu peito subindo e descendo rapidamente.

“Precisamos... de uma... sessão... com... o Conselho... para decidir... sobre a fusão...”, ele conseguiu articular, sua voz tão frágil que Sephora só conseguiu entendê-lo porque estava próxima dos dois, “Não... podemos... voltar...”

Cisus repousou a grande mão azulada no peitoral envolto pela alga, num gesto de conforto, e fixou os olhos escuros no rosto sofrido do tritão.

“Bronn, por favor”, ele murmurou, num tom profundo e tranquilo, “Não gaste sua energia com política agora. Por enquanto e até que estejam recuperados, os vermillianos são nossos hóspedes. Está bem?”

Bronn pareceu tentar lutar para continuar a conversa, mas desistiu no meio do caminho e simplesmente concordou com um aceno fraco de cabeça. Depois disso, ele voltou a se recostar contra o chão da caverna e seus olhos se fecharam, enquanto seu peito subia e descia em movimentos fracos.

Cisus conversou rapidamente com Thoryn e, depois, rastejou de volta até a bolsa de água, desaparecendo pelo túnel de acesso em seguida. Nesse instante, Rien, que estava ajudando um vermilliano do outro lado da câmara, aproximou-se dela.

“Quem era aquele?”, ela perguntou, indicando a bolsa de água de onde Cisus havia surgido e por onde desapareceu com um aceno de cabeça.

“Cisus. Ele é o limen dos caçadores e um dos nossos conselheiros”, Sephora respondeu, enquanto checava que o lençol de Krato estava devidamente molhado.

A sereia deixou de lado o fato de que ele era também o seu pai, porque esse era um tópico complicado, que ela não gostava muito de abordar.

A verdade era que os trentins geralmente não sabiam quem eram seus pais e mães biológicos, já que eram criados pelas Mamas e pelos Datos até se tornarem dautos. Como a sociedade se incumbia do crescimento e da educação dos jovens, era raro que os pais biológicos se revelassem aos seus filhos.

Mas, centenas de ciclos lunares atrás, quando Sephora não passava de uma trentin, foi exatamente isso que Cisus fez. Chamou-a até a sua câmara e ela imaginou que talvez ele fosse dizer que estava impressionado com suas qualidades e sugerir que ela se juntasse aos caçadores ou à equipe de segurança.

No entanto, quando ela o encontrou, os dois ficaram apenas se olhando por um longo período de tempo, em silêncio. Até que ele soniu:

“Eu pedi para que te chamassem aqui, porque...”, e então ele hesitou; foi como se Sephora sentisse uma onda de dor e sofrimento emanando dele, “Porque queria te conhecer um pouco melhor”.

A pequena Sephora havia ficado em silêncio, digerindo aquela informação por alguns instantes, antes de questioná-lo.

“Mas por quê?”

“Porque você é a minha filha”, ele soniu de volta e observou-a com uma expressão firme e determinada, “E você é tudo o que eu tenho dela agora”.

Aquelas poucas palavras mudaram a sua vida. De repente, ela tinha um dos tritões mais fortes e respeitados de bando lhe dizendo que ela era sua filha e isso trouxe uma série de implicações para Sephora que ela mesma não poderia prever.

A primeira coisa foi que deixou de ver as Mamas e os Datos como figuras maternas e paternas. Na verdade, na cabeça da pequena trentin, eles passaram a ser apenas professores e aquele grande e imponente tritão era o único em quem conseguia pensar.

A partir daquele momento, tudo o que ela mais queria era que Cisus se orgulhasse dela. Chegou até mesmo a tentar ser boa na arte da caça, mas simplesmente não era habilidosa o suficiente para conseguir um lugar entre os caçadores, o que a deixou irremediavelmente frustrada consigo mesma.

Em sua mente, tentava encontrar vínculos em comum entre os dois, mas Cisus tinha uma personalidade muito diferente da dela e, embora sempre tivesse sido atencioso quando ela lhe procurava, raramente parecia se incomodar em buscar sua companhia.

O pior de tudo, no entanto, era que Sephora sabia que um tritão e uma sereia precisavam acasalar para dar origem a um trentin, o que significava que ao lado da imagem de seu pai, deveria haver a de uma sereia. Sua mãe biológica.

Mas ninguém queria falar sobre isso, muito menos Cisus; a única vez que tentara arrancar algum detalhe sobre a sereia, foi imediatamente repelida e ele a deixou falando sozinha.

Precisou pressionar todas as Mamas e todos os Datos até conseguir um nome, Amme, mas não conseguiu mais do que isso.

Então, ela tinha um pai que se incomodara o suficiente para clamá-la como sua filha, mas não para dar o tipo de atenção que ela gostaria de receber, e apenas a sombra de uma mãe sobre quem ninguém queria falar.

Sephora ergueu os olhos para Rien e percebeu que ela parecia estranhar o silêncio que se fez a seguir. Por isso, pigarreou, antes de continuar a conversa:

“E esse Bronn? Quem é ele?”

“Nosso preten, Rien replicou, “A decisão de vir até vocês pedir ajuda era dele. Sabia que poderia contar com os bleurs”, os olhos da vermilliana encontraram os de Sephora e ambas trocaram sorrisos amistosos, “Ele é muito sábio”.

Sephora lembrava-se que Mama Tys havia dito que a organização política dos vermillianos era diferente da dos bleurs e, ao invés de um conselho composto por membros do bando, os vermillianos elegiam um único representante que, auxiliado por um conselho escolhido por ele, tomava todas as decisões políticas.

Lembrou do que ele havia dito a Cisus, sobre uma possível união, e se perguntou como dois bandos com organizações tão diferentes poderiam conviver juntos de forma harmoniosa.

“Mas essa é uma questão para o Conselho”, uma voz murmurou em sua mente e ela rapidamente voltou sua atenção aos cuidados dos vermillianos doentes.

Continua...

N/A: Mais um capítulo!

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