SEPHORA
Enquanto cortava agilmente as águas escuras em direção à entrada mais próxima de Salarka, Sephora culpava as estrelas pelo o que tinha acabado de acontecer; ela quase havia sido vista por um ser humano que não era a Bianca, o que era absolutamente inaceitável.
Estava assumindo o risco de morrer pela sua amiga, mas isso era porque ela havia salvo a sua vida quando Sephora era apenas uma trentin curiosa demais para o seu próprio bem. No entanto, não estava disposta a apostar sua vida por um humano qualquer que boiava que nem alga morta na superfície do mar no meio da noite.
Mas a verdade era que, ainda que seus sonares tivessem acusado a presença do humano, ela resolveu erguer-se acima da água ainda assim; não muito, apenas o suficiente para certificar-se de que Bianca realmente não estava lá.
Pensando em retrospectiva, Sephora admitia que aquela havia sido uma ideia muito idiota e pouco defensável do ponto de vista racional, mas imaginou que talvez todos os acontecimentos daquele dia houvessem lhe privado parcialmente a capacidade lógica.
No entanto, aquela não tinha sido a primeira vez que Sephora havia aparecido próxima de um ser humano. Mesmo antes de Bianca e, algumas vezes depois dela, Sephora tinha o costume de se elevar acima da superfície apenas o suficiente para espiar alguns seres humanos indeterminados e suas fascinantes tradições e interações.
Geralmente, ela tomaria todas as precauções para garantir que o objeto de sua atenção não percebesse sua presença, mas, daquela vez em específico, ela não estava preocupada com o humano que flutuava a alguns metros dela.
Ela estava olhando para o céu estrelado.
Alguns anos atrás, quando Bianca já tinha posse do tradutor que Sephora havia contrabandeado dos submersos, as duas estavam boiando juntas, mais ou menos aonde aquele humano estava, observando as estrelas, assim como ele tinha feito.
Naquela ocasião, Bianca havia lhe contado várias coisas interessantes sobre as estrelas. No passado, os humanos costumavam usar as estrelas para se localizar geograficamente e também haviam pessoas que eram capazes de comprar estrelas e colocar o nome que quisessem nelas, ambos fatos que pareceram fascinantes para a sereia, muito embora ela não conseguisse entender como um ser humano podia simplesmente ter uma estrela, quando todas elas pareciam pertencer a todos.
- Como se faz para comprar uma estrela? – ela perguntou para Bianca, depois de muito pensar a respeito disso.
- Você dá dinheiro para um lugar específico e, em troca, eles te dão um papel que te diz que tal estrela localizada em tal lugar é sua e tem o nome que você escolheu para ela – a garota tinha respondido.
- E esse lugar que vende a estrela... ele era o dono da estrela antes da pessoa que deu o dinheiro? – a sereia inquiriu, esforçando-se para compreender a dinâmica.
- Hum... Não sei... Acho que sim – Bianca respondeu, depois de pensar um pouco a respeito do assunto.
- E como que esse lugar tinha as estrelas para começo de conversa? Para quem eles tiveram que dar o dinheiro? – a sereia continuou, curiosa em descobrir quem era o dono originário das estrelas.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual Bianca soltou um “huuuum” longo e quase inaudível, que era o som que ela geralmente soltava quando estava realmente pensando sobre alguma coisa, o que geralmente acontecia quando Sephora começava a fazer um monte de perguntas, uma seguida da outra.
- Acho que eles não compraram de ninguém – a humana respondeu, por fim – Acho que simplesmente começaram a vender.
- Então, vocês simplesmente assumiram que as estrelas eram suas para saírem distribuindo entre si em troca de dinheiro? – Sephora questionou, incomodada – Não acha isso um pouco injusto com todos os outros animais que também observam as estrelas? Porque vocês podem dizer que as estrelas são suas, mas os outros não?
Mais um longo “huuuum”.
- Acho que foi porque nós resolvemos que queríamos elas primeiro – Bianca respondeu.
Foi a vez de Sephora soltar um som profundo que vinha de sua garganta, enquanto permitia que as palavras de sua amiga, traduzidas pelo aparelho, fossem cuidadosamente interpretadas pelo seu cérebro.
- E o humano dá dinheiro pela estrela e dá o nome para ela. E aí o quê? – perguntou a sereia.
- E aí que é isso – Bianca respondeu, os olhos fixos nos pontos brancos que pareciam decorar o céu escuro – E aí que você pode apontar para a estrela para os seus amigos e dizer que é sua e que você deu o nome que você quis dar para ela.
Houve um instante de silêncio entre elas, durante o qual Bianca continuou boiando olhando para cima e Sephora estava com os olhos fixos no perfil da amiga.
- Isso não parece meio sem sentido? Para que dar dinheiro para comprar uma coisa que todo mundo pode ver só para você falar que é sua?
Depois disso, Bianca ergueu levemente a cabeça e olhou no rosto da amiga, parecendo cansada. Isso também costumava acontecer depois que a Sephora fazia um monte de perguntas seguidas.
- Sephora, sabe o que eu realmente gosto nas estrelas? – ela perguntou, mas não deu tempo para que a sereia pudesse responder; Bianca fazia isso bastante, o que a deixava um pouco confusa – Muitas vezes, quando estou cheia de problemas, olho para o céu e vejo essa imensidão escura e todas essas estrelas... e meus problemas parecem tão pequenos e insignificantes.
Na ocasião, Sephora voltou a boiar e ficou observando o céu, mas não sentiu a imensidão relatada pela amiga ou a sua insignificância, em comparação. Ela estava observando todas aquelas estrelas e só conseguia pensar em todos aqueles pontinhos brancos e brilhantes e se tinha algum humano em algum lugar apontando para alguma delas e dizendo que era seu dono e que ele tinha dado a ela o nome de Blausk, porque era o nome do seu cachorro.
No entanto, ali, atrás das pedras, com a sua cabeça parecendo girar por causa de todos aqueles pensamentos envolvendo a chegada dos vermillianos e a partida próxima de Myr, ela ousou olhar para o céu estrelado e, por um instante, conseguiu compreender perfeitamente o que Bianca tinha dito anos atrás.
Olhando as estrelas distantes e permitindo-se imaginar a imensidão do universo, Sephora sentiu-se pequena e insignificante. De repente, seus problemas não pareciam mais tão gigantescos ou insolúveis.
Mas a sensação durou até o som estridente de latidos chamarem a sua atenção e, depois, percebeu um feixe de luz cortando a escuridão à medida que o humano se movimentava. Instintivamente, ela mergulhou de volta para dentro da água e conseguiu desaparecer antes que o facho de luz – e o homem atrás dele - a encontrasse.
Malditas estrelas.
N/A: Aqui está mais um capítulo! Espero que tenham gostado!
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Segredos Submersos
Ciencia FicciónTodos possuem segredos. Alex vem secretamente seguindo os passos de seu avô, que desapareceu numa expedição que tinha por objetivo comprovar a existência das sereias, com a esperança de redimir sua memória. Para isso, começou a trabalhar na Pousada...