Capítulo 21

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Durante toda a semana, eu vivi sob um medo constante desde que havia me assumido para a turma.  Imaginava alguém conhecendo minha família e contando para ela. Nos dias em que minha mãe resolvia me buscar de carro, eu apressava o passo para que ela não me visse perto de alguém que fosse me tratar no masculino. Às vezes, eu até ouvia a voz infeliz do Jason me alertando dentro da minha cabeça. Eu ainda estava absorvendo tudo aquilo dentro da faculdade, não estava pronto para contar aos meus pais.

E eu suspeitava de que eles também não estavam prontos para me ouvirem.

Já era sexta-feira, todos estavam animados com o fim de semana. As aulas nesse dia sempre possuíam um gostinho a mais de "pré-descanso". Todos ficavam mais sorridentes, até os professores. Enquanto para mim, era complicado passar o fim de semana inteiro dentro de casa; eu precisava de alguma atividade para fazer durante o sábado e o domingo.

João perguntou se eu poderia assistir a um jogo de futebol com os garotos, mas não precisei explicar muito sobre minha mãe para ele entender que era melhor evitar aquele tipo de saída, por enquanto. Em relação a garotos, meus pais eram rígidos demais, e eu não sabia se era o medo de que eu me envolvesse com um deles ou pelo "trauma do passado" de que eu me tornaria um.

O que era besteira, pois eu sempre fui um garoto. Só demorei para descobrir.

Falei com João que pensaria em uma forma de sair sem deixar minha mãe com suspeitas e fiquei de dar uma resposta no dia seguinte.

Às sextas, Madison sempre passava mais tempo limpando as coisas do que o normal, pois ela gostava de deixar a casa o mais limpa possível para aproveitar o fim de semana em família. Por isso, me surpreendi quando vi seu carro parado em frente à entrada da faculdade, pois não era comum que ela me buscasse nesse dia.

Tentei tirar da cabeça alguma teoria sinistra e pensar que talvez ela só tenha mudado de ideia naquele dia, talvez a casa já estivesse limpa o bastante, talvez ela quisesse resolver alguma coisa na rua e aproveitou para me dar uma carona, talvez, talvez, talvez.

Contudo, quando eu entrei no carro, vi que talvez era mais fácil eu criar uma teoria sinistra mesmo.

— Boa tarde! — Ela disse normalmente, mas mal olhava na minha cara. Dei um sorriso tímido mesmo sabendo que ela não estava me vendo.

— Oi, que milagre aparecer numa sexta. — Me acomodei no banco do carona, coloquei o cinto de segurança e deixei a mochila em cima do meu colo.

— Não tenho muita coisa para fazer hoje. — Ela disse no modo automático enquanto saía da vaga e entrava na rua, em direção à nossa casa há poucos quarteirões dali. — Como foi a aula?

— Foi bem, hoje teve Fotografia. — Falei com uma animação repentina. Independente do meu humor, falar de fotografia me deixava feliz. — A professora deixou um exercício pra gente praticar tirar fotos à noite.

— Muito legal. — Ela disse sem esboçar nenhuma reação. — E o que você está achando da faculdade? As pessoas são legais?

— Sim, é tranquilo. — Comecei a ficar incomodado com aquele interrogatório.

Madison parou de fazer perguntas e se concentrou nos semáforos, curvas e lombadas da rua. Eu tentei me afundar o máximo possível na cadeira.

Minha respiração já estava acelerada e agradeci por não estar de binder naquele dia. Quando a disforia não estava muito alta, eu o trocava por um top de academia mais apertado.

— Você está se sentindo bem, Charlie? — Minha mãe interrompeu o silêncio mais uma vez.

— Como assim?

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora