Capítulo 25

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Tive o pior fim de semana da minha vida.

Quando cheguei em casa, recebi uma bronca. Minha mãe estava chateada e, na verdade, nem acreditou que eu saí para assistir ao jogo e pensou que eu ainda estava na casa da Sammy. Precisei mostrar o bilhete do ingresso para comprovar. Quando ela se convenceu, mudou seu sermão para reclamar que eu deveria tomar cuidado com o tipo de gente que eu me envolvia na faculdade.

Ela só queria brigar comigo, independente do que eu tivesse feito.

Não revidei nenhuma das suas acusações para encurtar a briga, reuni toda a calma que ainda restava em mim para pedir desculpas e disse que iria estudar para a prova de segunda-feira. Não havia prova alguma, mas eu queria uma desculpa para me trancafiar no quarto pelo resto do fim de semana.

Alice enviou algumas mensagens tentando conversar comigo, mas ignorei todas. Pensei em bloquear seu contato, mas depois concluí que era infantil. Preferi deixá-la livre para me mandar mensagens, afinal, assim eu podia ignorá-las.

Também recebi uma mensagem do meu pai, o que era uma novidade.

— Oi, Charlie! Me desculpe a demora, estou sem sinal aqui. Vim para a cidade resolver algumas coisas. Estou com saudades também, pode me contar como está a faculdade e as coisas por aí. 

Eu nunca sabia no que tanto ele trabalhava, eu o imaginava construindo celeiros e galpões de fazenda, e só. Mas ele vivia ocupado. Construir coisas deveria levar tempo.

Eu preferia acreditar nisso do que pensar que ele simplesmente escolheu não ser presente na minha vida, principalmente depois que minha mãe se casou com Paul.

Mesmo ansioso por sua resposta nos últimos dias, não tive ânimo para manter uma conversa – sabe-se lá quando ele responderia novamente. Por isso, apenas respondi que estava tudo bem na faculdade. 

A conversa encerrou e voltamos às nossas vidas normais.

Fiquei a maior parte do tempo sentado na escrivaninha, mexendo no computador. Aproveitei para pesquisar mais sobre espectro de gênero, pois depois de ter me impressionado com o que João disse sobre pessoas trans, percebi que eu ainda tinha muito a aprender.

Descobri sobre a não-binariedade, e que ser trans ia muito além de se identificar apenas com o gênero oposto ou com um gênero feminino ou masculino. Me senti um pouco desconfortável ao pensar que eu era um cara totalmente masculino, e que não sabia até que ponto eu era assim por realmente me identificar, ou porque a sociedade me fazia acreditar que eu precisava ser assim para me sentir um homem. Eu tinha o cabelo curto, usava roupas largas e da seção masculina, além de que azul era a minha cor favorita, mas isso não era motivo para me identificar como um garoto. Eu poderia ser uma garota que também gostava dessas coisas.

Então como eu tinha certeza de que era um garoto?

A fala de Alice falando de forma tão rude sobre o órgão genital de João me atingiu de novo. Ter um pênis não era o resumo de um homem. Mas então, o que era? Ter barba e bigode? Testosterona? Não poderia ser isso, porque muitos garotos cis tinham em pouca quantidade, ou não tinham e precisavam ir ao médico para repôr os hormônios.

Eu nunca havia parado para pensar no porquê de eu me sentir um garoto. Era algo tão óbvio para mim que não precisava de uma explicação. Eu era assim, e pronto. Cada célula do meu corpo gritava que eu era um garoto, não tinha como eu ser outra coisa.

E cada célula também gritava pela transição.

Eu não sabia até que ponto queria modificar o meu corpo, se queria passar por alguma cirurgia. Nenhuma pessoa trans era obrigada a tomar hormônios, mas eu, Charlie, queria passar por isso. Mas o quanto eu queria mudar? Eu não gostava das curvas do meu corpo, tratava meus seios como intrusos porque não deveriam estar ali. Eu queria, sim, mudar minha aparência para me sentir mais bonito.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora