Capítulo 24

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Nesse exato momento, eu deveria estar na porta de casa, pronto para encarar Madison e Paul me olhando como um ser estranho de outro planeta. Afinal, foi isso o que combinei com minha mãe: depois de dormir na casa de Sammy, eu voltaria na manhã seguinte.

Contudo, eu estava próximo ao único estádio de futebol de Esplendor. Não era como se eu fosse a uma balada usar substâncias ilícitas e voltar durante a madrugada na ponta dos pés, enquanto minha mãe me esperaria no sofá da sala.

João digitou novamente falando que só faltava a minha presença, e em seguida mandou um áudio dos garotos gritando nervosos, pois o time da casa estava perdendo. Eu não entendia nada de futebol, mas parecia um jogo importante para as equipes locais e que levaria uma delas ao campeonato nacional.

Avisei que estava a caminho e mandei uma mensagem breve para a minha mãe, dizendo que eu chegaria em casa um pouco mais tarde do que o previsto. Tentei ignorar o leve tremor nos dedos ao fazer isso, me senti ousado demais quebrando um acordo com Madison, mas ela também não fazia muito esforço para que eu me sentisse confortável em casa, então por que ficar lá?

João Vitor mandou outras mensagens, aparentemente revoltado porque o seu time estava jogando muito mal, mas um pouco animado por ter conhecido um cara que, nas palavras dele, "deve ter roubado toda a beleza ainda existente na cidade e colocado no seu rosto".

Perguntei se ele já tinha tentado flertar com o novo colega e avisei que já estava perto do estádio.

— Entra pelo portão B, estamos na arquibancada da direita! E ainda não tentei nada, sabe como eu sou. Mas vamos ver até o fim do jogo!

Ele ficou offline e guardei o celular na mochila, pronto para descer do ônibus.

Apesar do jeito extrovertido, João não era bom em se aproximar de pessoas que despertavam-lhe interesse. Ele sempre dizia que preferia ser um solteiro feliz do que sofrer por alguém que desistiu de ficar com ele por sua sexualidade. "Me acham gay demais para ficar com garotas, mas hetero demais para ficar com homens", era o que ele dizia.

Em matéria de experiência em relacionamentos, nós éramos praticamente iguais.

Encontrei a entrada e o estádio não estava tão movimentado quanto pensei que estaria, talvez pelos times não serem muito famosos. O objetivo do encontro com os garotos era apenas passar o sábado juntos, longe das suas casas.

— CHARLIE!!! — João berrou pela arquibancada e ergueu os braços para que o avistasse ao longe, o que foi fácil. Difícil foi chegar até lá, pois me esbarrei em várias pessoas e pedi desculpas um milhão de vezes enquanto tropeçava ou pisava no pé de alguém, que me xingava logo em seguida.

Reconheci os outros garotos da minha turma e eles alternaram entre me cumprimentar com um tapinha nas costas, um hi-five ou bagunçar meu cabelo, pois eu era o menor do grupo e isso fazia todos me enxergarem como uma espécie de irmão caçula.

Eu não me importava, afinal, eles eram assim comigo porque eu era um garoto como eles – e ser trans me fazia achar lindo até quando tentavam me ofender usando o pronome correto. Há uns dias, esbarrei no ombro de um senhor idoso e ele exclamou "seu guri sem educação!", e eu nem consegui me sentir ofendido.

Mandei uma mensagem para Sam dizendo o que eu havia feito e se queria vir até aqui, mas ela respondeu dizendo que estava ocupada ajudando a sua mãe. Também me disse para tomar cuidado ao voltar para casa e não levar um sermão. Tentei ignorar essa parte e respondi que mandaria mensagem mais tarde.

Como eu não entendia como o futebol brasileiro funcionava, me perdi durante a partida. João ficava em pé e gritava toda vez que alguma coisa acontecia. Suas frases principais eram "esse juiz é ladrão!" e "até eu acertava o gol se tivesse aí dentro!". Alguns garotos pareciam estar lá apenas para beber, e chegaram a me oferecer, mas eu não queria um motivo a mais para rolar alguma briga com meus pais.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora