Capítulo 5

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Minha mãe cutucou o meu braço com o seu cotovelo e fez sinal para que eu tirasse o capuz assim que chegamos ao Centro de Atendimento ao Aluno, local para a realização de matrículas da Faculdade Marie Curie.

O lugar estava repleto de alunos que portavam pastas nos braços, provavelmente com os documentos para a matrícula como calouros.

— Vão te achar doida se ficar se escondendo desse jeito, Charlie! Não precisa ser tão tímida. — Minha mãe pegou o meu braço e passou pelo dela. Tentei dar um sorriso que saiu totalmente falso. Ela usava o português quando estava em público porque os olhares que os brasileiros davam em direção a nós eram estranhos, como se estivéssemos conspirando contra eles em outra língua.

Infelizmente minha mãe entendia bem a distinção entre pronomes masculinos e femininos dentro da Língua Portuguesa, e eu nunca me sentia bem com ela me tratando no feminino.

Começamos a caminhar em direção à multidão e a grande altura de Madison nos deu vantagem para nos aproximarmos da recepção. Mesas estavam dispostas pela grande sala com vários funcionários recolhendo documentos e passando papéis para que os alunos assinassem.

Minha mãe conseguiu ser atendida e era como se ela estivesse fazendo a sua própria matrícula: ela quem conversava com o orientador, tirava dúvidas, pedia informações sobre horários, disciplinas e mapa do campus. Como o meu humor não estava dos melhores para interagir, preferi deixá-la falar e nem ela nem o funcionário responsável pela matrícula perceberam quando me afastei.

Aproveitei o momento sozinho e coloquei meu capuz de volta. Me mantive de cabeça levemente baixa para evitar, ao máximo, interagir com alguém.

Os alunos – antigos e novos – conversavam de forma agitada por todos os espaços disponíveis pela faculdade: pátio, refeitório, área verde, lanchonete, até no pequeno estacionamento de motos e bicicletas que não se separava do restante da área aberta. Ao redor desse grande espaço, ficavam os prédios com as salas de aulas, e abaixo de tudo, eu sabia que também existia um estacionamento no subsolo.

Caminhei sem rumo pelas áreas do campus, prestando atenção nos alunos. Todos pareciam despreocupados e até animados para começar a vida na faculdade.

Será que, no meio de todos eles, existia alguém como eu?

Me apoiei no tronco de uma árvore e cruzei os braços. Observei os alunos que passaram por ali e me perguntei se alguém chegou a reparar em mim e pensou se eu era uma garota.

Provável que sim. E se eu falasse algo e revelasse a voz feminina, daria "total certeza" para a outra pessoa de que deveria me tratar por "ela" e "dela". Eu odiava essa marcação de gênero no português.

Respirei fundo e tentei não me concentrar nessas coisas, mas era impossível. Eu me sentia totalmente deslocado, e não era só uma simples questão de timidez ou de não conseguir se enturmar.

Eu não me sentia normal perto daquelas pessoas.

"Isso é frustrante."

Com o capuz em minha cabeça, apoiei-me no tronco e fechei os olhos para tentar relaxar. Deveria ser uma cena estranha para quem passasse por mim, mas eu não me importava. Quem me conhecesse iria me achar estranho em algum momento, de qualquer forma.

Quando abri os olhos, notei alguém tirando fotos do local. Surpreso e um pouco assustado, cobri meu rosto ainda mais com meu casaco e me coloquei atrás do tronco, relativamente grande. De soslaio, observei a pessoa fotografando os alunos sem ser notada.

Ela se aproximava cada vez mais da árvore e ficou de frente para mim, mas com o olhar para o alto. Quanto a mim, estava paralisado com o que via.

A garota de pele negra e cabelos curtos com uma franja era semelhante demais a Sammy.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora