Capítulo 34

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A mudança de endereço e a distância razoavelmente longa acabou fazendo com que eu levasse o dobro do tempo que eu levava antes para ir à faculdade. A parte boa é que eu não ficava sozinho durante o trajeto, pois Marcos e Ramón me acompanhavam.

Ramón era um veterano de Literatura que foi o segundo a começar a morar na República. Ele era filho de imigrantes colombianos e falava pouco sobre os pais, e eu também não insistia no assunto, pois se havia algo que eu não gostava de falar, era sobre pais.

Às vezes, conseguíamos ir sentados durante todo o trajeto. Naquele dia, em especial, nós três ficamos em pé para dar lugar a um grupo de idosos que deveria estar indo a um evento específico.

— E aí, qual vai ser a primeira aula de hoje de vocês? — Ramón tentou puxar assunto enquanto segurávamos a barra suspensa no teto para nos segurar.

— Redação, infelizmente. — Marcos bufou e eu soltei uma risada.

— Não está sendo tão ruim assim!

— Fale por ti, William puxa teu saco porque escreve bem, por isso tu acha legal, eu já tô fazendo essa miséria pela terceira vez.

— Você escreve, Charlie? — Ramón se interessou. Ele estudava Literatura para se tornar um escritor de ficção.

— Única coisa que escrevi além dos trabalhos e uns jobs de tradução foi o texto pro concurso de Redação, então não sei se posso falar que escrevo. — falei um pouco envergonhado. Meus colegas me olharam com interesse.

— Então tu já terminou? Mostra pra gente! — Marcos pediu animado.

— Não ficou tão bom, nem acho que eu vou ganhar...

— A humildade é essencial na vida do escritor! — Ramón falou de uma forma imponente e engraçada, ressaltando seu sotaque latino. Era até bom encontrar uma pessoa "gringa". — Vamos ser suas cobaias, se estiver ruim vamos te avisar.

— Tá, mas é pra avisar mesmo! — alertei e retirei o celular do bolso. Procurei o texto no meio dos documentos e entreguei o aparelho na mão de Marcos, que começou a ler com o rosto de Ramón próximo ao dele, acompanhando a leitura com o olhar e indicando quando Marcos poderia abaixar a tela para continuar lendo.

Cinco minutos se passaram e os dois garotos olharam com surpresa para mim. Não percebi o quanto estava ansioso pela opinião deles. Marcos me devolveu o celular e ergueu as sobrancelhas.

— É por isso que o Sr. William puxa o teu saco, tu manda bem mesmo!

— Que isso, cara. — ri sem graça e notei meu rosto esquentando. Eu odiava ficar envergonhado.

— Eu nem vou mais participar! Vou perder.

— Porra nenhuma, Ramón! Vai sim! Vou ver os dois na final, vai ser tri. — Marcos empurrou o amigo para provocá-lo, que correspondeu com um tapa em seu braço.

— Mas aí, qual é a do nome Christian? Você quer mudar seu nome?

— Ahn, não! Eu... — A pergunta de Ramón me deixou sem fala. Eu nunca havia pensado sobre o meu nome.

— Ih, eu falei besteira, né? Desculpa, não sei como funciona esse lance do nome, você é a primeira pessoa trans que eu conheço.

Ramón estava visivelmente desconfortável, e seria uma cena cômica ver um cara quase trinta centímetros maior do que eu e mais velho naquele estado, mas eu me senti triste. Tanto ele quanto os meus outros dois colegas de apartamento estavam se esforçando para me respeitarem. Às vezes, me tratavam no feminino sem querer e logo consertavam. Algumas situações eram embaraçosas, mas eu não queria que pisassem em ovos toda vez ao me perguntar algo.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora