Capítulo 50

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As paredes do consultório eram extremamente brancas.

Quadros de plantas decoravam o local e uma estante de livros estava em uma das paredes. Havia uma mesa com um computador de CPU ao fundo da sala, e Katiana Bernardi estava sentada ao meu lado.

Ela era negra como a mãe de Sammy, Amara, e usava um óculos redondo prateado estiloso. Sua roupa social era branca e ela demonstrava possuir uma leveza tão grande que eu a imaginava saindo do consultório voando.

— E então, o que tu achou da nossa primeira conversa?

Aquela já era a segunda vez que nos víamos. Na primeira, tivemos uma sessão rápida para nos conhecermos e para que eu tivesse certeza de que estava confortável para continuar.

Claro que eu estava, e eu iria agradecer eternamente a João e Fred por terem me feito conhecer Katiana. Talvez eles não soubessem da coincidência que tudo aquilo era, ou talvez eu que estava cético demais antes, para acreditar que pudesse ter alguém igual a mim em Esplendor.

Katiana era uma mulher trans. E quando ela me contou isso – apenas para mostrar que poderia entender algumas questões e me encaminhar para um bom tratamento hormonal no futuro – eu tive certeza de que ela seria minha psicóloga pela vida toda.

— Bom, vai ser idiota falar que eu voltei pra casa chorando feliz porque vim pra cá? — Minhas bochechas queimaram, uma das coisas que eu queria eliminar de mim. Odiava ficar com vergonha desse jeito.

— Claro que não! Nada do que tu sente é idiota. Exceto quando quer valorizar o corpo cis em detrimento do teu. — Ela apontou a caneta em sua mão para mim e estreitou os olhos, rindo. — Mas eu também sei que isso é uma construção social, então não vou te culpar tanto.

— Obrigado? — Soltei uma risada, já um pouco mais leve. — Então... Eu não sei por onde eu começo.

— São muitas coisas rondando aí dentro, não é?

— Demais. — Me joguei na cadeira bege estofada e deixei minhas pernas mais abertas, em posição relaxada. Katiana olhou rapidamente para o bloco de notas que estava em seu colo.

— Acho que podemos começar com seu momento atual. Tu disse que divide um apartamento com outros garotos, como tá sendo isso? Atendeu as suas expectativas?

— Claro, quer dizer, com certeza! O Marcos é como um irmão mais velho, na verdade todo mundo parece um irmão mais velho pra mim, porque eu sou sempre o menor, mais novo, eu pareço tão... Sabe?

— Não sei, não. — Ela inclinou um pouco o corpo para mostrar que estava atenta a mim. — Pode explicar?

— É que... Eles são mais altos, fortes, durões, e eu sou... Desse jeito, sabe. — Eu já estava entrando em terreno desconfortável em menos de dez minutos de consulta. Isso era estranho.

— Algum dos meninos já fez um comentário do tipo pra ti?

— Não! Não, nunca. Mas eles não precisam falar, eu já sei que é assim que as coisas são. Eu nunca vou chegar ao nível deles.

E lá estava o "nível" mental que eu queria alcançar. O nível que criei para Jason e todos os outros.

— É que... Eu sei que todos somos garotos, mas eu sou diferente... Sou fofo, pequeno e... Isso aí.

— Mas eles não parecem demonstrar que pensam isso sobre ti, não é?

— É, por aí.

Esfreguei as mãos no tecido da calça jeans. Depois de colocar tudo aquilo para fora, pareceu uma invenção da minha própria cabeça.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora