Capítulo 1

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Mudanças sempre foram um fator constante na minha vida. 

Quando se tem pais separados, você muda de endereço com muita frequência. Minha mãe foi para São Paulo, meu pai continuou na Carolina do Norte. Quando entrei na faculdade, saí de Erwin e fui para Raleigh. Quando eu não aguentei mais – tanto os estudos quanto o meu pai – fui morar com minha mãe e seu marido.

E agora estávamos no que parecia ser o sul do Sul do Brasil, um lugar pequeno e esquecido que ventava durante o dia e mais ainda durante a noite, uma cidade estranha chamada Esplendor, perto do Uruguai.

Coloquei a última mochila dentro do cômodo que seria o meu novo quarto. Era um espaço maior do que o antigo, ou talvez fosse a falsa sensação causada pelos poucos móveis. Minha escrivaninha ainda estava desmontada no canto da sala e metade do guarda-roupa estava no quarto, enquanto a outra metade continuava no corredor cheio de pó.

Ouvi a voz de minha mãe e Paul, além de uma terceira, do lado de fora da casa. Caminhei pelo corredor e as vozes ficaram mais nítidas, e assim consegui entender sobre o que falavam.

— É um bairro bem tranquilo, os guri' não fazem bagunça, só em dia de domingo que às vezes dá algum probleminha, mas qualquer coisa pode me avisar que eu sou o presidente da associação dos moradores e dou um jeito!

Franzi as sobrancelhas, intrigado com a escolha de palavras estranhas. O meu português não era tão bom quanto o de minha mãe e Paul.

— Obrigada pela ajuda, senhor Maximiliano!

— Mas é por nada! Podem me chamar de Max! — O sotaque do homem era bastante carregado e o imaginei sendo um explorador de 1500 desbravando as terras do Sul do Brasil. Em minha mente ele era velho, de cabelos totalmente brancos e com uma perna faltando pela guerra.

Caminhei mais um pouco para conseguir vê-los e me decepcionei quando Max era um homem de blusa com gola pólo, calça cáqui bem passada, cabelos pretos arrumados para trás e todos os seus membros estavam intactos.

— Vocês têm uma filha, né? Charlie?

— Isso! Charlie! — Foi a vez de minha mãe me chamar e me controlei para não resmungar alto. Eu odiava quando ela queria me apresentar.

Dei passos rápidos para fora da casa e o Sr. Maximiliano abriu um sorriso branco e alinhado.

Apresentações não eram o meu forte, pois as pessoas sempre se demoravam mais do que o normal para criar uma primeira impressão sobre mim. Uma garota de cabelos curtos, corpo fino e pequeno, com roupas de tamanhos sempre maiores e uma péssima disposição para dialogar geralmente causavam uma reação negativa nos outros.

— Uma bela moça! Muito prazer! — Ele estendeu a mão para mim e tirei as minhas do casaco para retribuir o gesto bem fracamente, com o nariz contorcido.

— Prazer. — Não demonstrei o mesmo entusiasmo que ele e seu rosto suavizou a expressão de euforia. Minha mãe, em uma tentativa de melhorar a situação, colocou as mãos em meus ombros e me fez ficar ao lado dela. Com uma das minhas mãos para fora dos bolsos do casaco, eu mexi em fios inexistentes atrás da orelha como uma forma de controlar o nervosismo; não haviam fios o bastante para isso pelo meu cabelo ser raspado nos lados, mas eu fingia que eles existiam.

— Essa mudança impacta bem mais a Charlie do que a nós dois, ela estava cursando Engenharia na Universidade Estadual da Carolina do Norte!

Ela precisava citar isso toda vez que falava de mim para alguém, em parte para se vangloriar por ter feito um bom trabalho na minha educação, mas também para me lembrar de que eu teria um futuro promissor na Engenharia e desisti.

⚧ | Azul é a Cor do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora