Querido café

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Sentei-me à mesa. Xícara de café da noite passada, farelos de pão. Faca com raspas de margarina e uma fatia de bolo pela metade. Era essa a visão matinal que esta alma tinha, praticamente todos os dias. Volta e meia surgia ânimo de manter certa ordem antes de dormir. No geral, tudo era deixado para o amanhã. Fervi uma água e escaldei a xícara. Mantinha o café aquecido por mais tempo. O líquido negro recém coado estava dentro do recipiente e, eu todo desajeitado pelo sono, fui até a porta da cozinha. Seis, sete horas. Não sei ao certo. O céu possuía algumas nuvens, tímidos raios de Sol transpassavam as mesmas e algumas passagens entre becos. Era a manhã chegando. Novas oportunidades ou simplesmente um novo dia para se passar em branco.

"Querido céu, muito prazer, eu não sou ninguém. Não sou dono de riquezas, tampouco venho de berço de ouro. Venho de lugares em que a manhã é árdua e pesada, o fim do dia chega a ser tão exaustivo quanto arrastar lenha morro acima. Querido vento, muito prazer. Eu já fui alguém. Deixei que tu me levasse aos mais inusitados e fantásticos lugares, mas no fim das contas eu simplesmente não sabia como voltar. E tu, claro, não me mostrou o caminho de volta. Apenas sussurrava em meu ouvido que meu destino estava próximo. Bom dia, Sol. Tu que arde minhas angústias e aquece meu peito, resfriado pela manhã. Eu sempre soube onde você está, mas eu nunca soube onde eu me encontrava. Não podia te usar como referência. Tu que és quente, onipotente, dono da vida, se dá o trabalho de esquentar o corpo de um medíocre, insignificante humano. Querida humanidade. Nenhum de nós sabe o real motivo de estarmos aqui. Cada um atribui um propósito pessoal e segue em frente. Eu perdi o meu há muito. Hoje, eu simplesmente me encosto na porta da cozinha e aguardo o Sol arder meus olhos e queimar minha pele. Infelizmente, não sei dizer para onde vamos, nem de onde viemos. Mas acho uma sorte danada que possamos viver e tomar um cafezinho juntos. Querido café. Obrigado por permanecer quente por tempo suficiente. Tu faz algo que eu podia jurar não ser mais possível: manter meu peito aquecido e minha mente desperta."

Essa toca que chamo de quartoOnde histórias criam vida. Descubra agora