Nuvens

11 1 0
                                    

Encher a xícara, sentar. Beber o café. Levantar, pegar outra. É a pequena rotina da tarde. Às vezes fazendo algo produtivo. O resto, apenas puro capricho. Tem momentos em que nem eu me reconheço. Desejos inesperados por atividades inabituais, como podar a árvore do jardim. O importante é manter a mente ocupada. Evita pensar demais em problemas desnecessários. A propósito, isso é um defeito do ser humano. Cá entre nós, você também sabe disso. É muito mais interessante cuidar de uma mancha na roupa do que papéis de escritório. É muito mais empolgante catar fios de cabelo na mesa a ter que digitar um relatório. O tempo passa mais rápido observando formigas carregando lascas de folhas do que quando você precisa ver vários ônibus passando antes de ir ao trabalho.

No meu caso, fico vendo o vapor dançar sobre o café, as gotinhas se formando na beirada da xícara, segurando-a pelo fundo até que meus dedos queimem. Faço qualquer coisa. Desde pequeno negava as obrigações e abraçava a procrastinação. Aliás, creio que qualquer ser humano seja assim naturalmente.

Fico pensando na causa disso enquanto trago meu café. Até me levantei e fui olhar os carros transitarem pela rua. As pessoas com rumos que eu nunca saberei. Nuvens vagando até sumirem. Inclusive, acredito que algumas pessoas sejam como as nuvens. Suas vidas inteiras vivendo como nuvens. Surgem silenciosamente no mundo, vagam por um tempo e depois somem tão quietas como surgiram.

Me dá arrepios ser uma pessoa assim. Ser uma alma silenciosa no mundo, que está ali sem estar. Uma alma que ninguém sabe de onde veio, do que é feito e para onde vai. Uma alma que irá sumir em breve.

Acredito ser muito necessário que todas essas pessoas enuviadas chovam por ai, espalhem sua água, façam florescer jardins de afeto nos corações das outras, abafem o calor da saudade, lavem a tristeza da face dos outros.

Queria fazer isso, mas o máximo que consigo fazer é um café descente. É outra coisa que esqueci de mencionar. Além dos que precisam chover por ai, existem os que precisam aprender a não abrir um guarda-chuva quando uma garoa se aproximar. Precisamos de gente que esteja disposta a se molhar.

Essa toca que chamo de quartoOnde histórias criam vida. Descubra agora