All Star

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Sábado. Era noite. Horas? Não sei exatamente. Pós oito horas. Não pude acompanhar o horário, já que você não largava meu celular e trocava as músicas insistentemente. Cantava alto, gestos e expressões em série acompanhavam o som do pequeno alto falante.
Eu assistia quieto, só com um sorriso divertido no rosto. Era algo que faz parte da sua energia caótica. E eu amo isso. Às vezes, baixava minha cabeça e me pegava com o olhar preso nos nossos tênis. Meu All Star branco e o meu preto, que estava no seu pé. Já vi roubarem blusas de frio. Tênis, foi a primeira vez. Confesso que até fiquei triste quando precisei pegar de volta. Era uma certa maldade minha querer fazer com que você se lembrasse da minha pessoa sempre que olhasse para o próprio pé.
Do nada, o som parou. Não era a bateria do telefone. Tu que baixou o volume ao zero, sinal de que pretendia aumentar depois. E então, olhou para mim. Deu aquele sorrisinho que só quem está prestes a aprontar algo, dá. Parecia que fez de propósito. Seu piercing cintilava de leve com a luz do poste. Quando questionei o que se passava em sua cabeça, você começou a mexer na jóia, tal como faz quando é contestada, ou quando julga silenciosamente quem está à sua frente, com os olhos travados. Transmite a sensação de que você conhece todos os pecados de quem está a olhar.
Os meus, provavelmente sabe. Mas sei que não era sobre isso. Geralmente esse olhar de julgamento vinha após uma piada ruim minha. Não sei se te divertia, mas o resultado era praticamente instantâneo. Às vezes, era uma piada tão ruim que você ria de indignação. E eu me esforçava ao extremo para fazer essas piadas. Ouvir sua risada sempre me quebrava por completo.
Sua presença me quebra por completo. Nosso abraço, não consigo definir de outra maneira que não um acolhimento mútuo. Conforto e preocupação toda vez que esfrego os dedos na sua cabeça. Queria te dar o mundo, a tranquilidade, a paz que você merece. Mas, no momento, é apenas um abraço quente e acolhedor, tanto quanto  consigo transpassar.
A música voltou. Você aumentou bruscamente o volume. Nem era sua playlist, mas já sabia exatamente em que ponto a música estava. Eu ri, me pegou desprevenido. Mas, não mais, do que quando você cruzou as pernas e encaixou as solas dos nossos All Star. Calcanhar com calcanhar. Perfeito, mas inusitado. Tal como quando nos conhecemos.

Essa toca que chamo de quartoOnde histórias criam vida. Descubra agora