Ora, meu amigo, não se vá. É cedo, o café está a coar. As cadeiras são velhas, a mesa, pequena. Garanto que minha casa é aconchegante, não à toa, eu a chamo de lar.
Venha até a porta, veja o céu. Anil, limpo, é uma pintura desta manhã fria e calma. Eu a recebo todos os dias, com o peito exposto e olhos entreabertos. O corpo treme, mas faz bem para minha alma.
Sente-se na escada. Ouça e sinta o toque sedoso do vento matutino. Essa época do ano é assim, um tanto quanto silenciosa, mas viva e vibrante. Há muito já fui assim, quando anunciava minha chegada com um sorriso no rosto e gestos escandalosos. Hoje, timidamente dou as caras, isso se não fico trancado em casa, amargurado, chega a ser irritante.
Acredito que já queira partir, de fato. Tudo bem. Fico feliz que apareceu. Aprendi a lidar com a falta que você faz. Os objetivos mudaram. Os sonhos, enterrados, foram colocados em uma caixinha, caso um dia você volte. Aguardam seu retorno, mas não mais ansiosos do que eu.
Eu deveria dizer adeus, seu retorno é improvável. Os dias passam e você se distancia ainda mais. Foi inebriante apreciar sua companhia novamente, depois de tantos anos. Meu peito dói e meus olhos se encharcam. Achei que estivesse morto, mas, não. Estava apenas escondido. O mundo e a vida cruel te obrigaram, não? Eu te entendo. Era questão de sobrevivência. Não fique triste em saber que ainda faço isso. Eu sei que minha hora vai chegar logo e precisarei me esconder, também. É uma pena, o próximo que vier terá uma bagunça enorme para arrumar. Sentimentos para compreender, vida para viver. Será que ele vai nos culpar? Nós não culpamos os anteriores. Eu não culpei você. Quem sabe. vamos deixar rolar. Fique bem, isso tudo irá passar. Espero, um dia, ter amor próprio, tanto quanto tive, quando era você que estava aqui a respirar.
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Essa toca que chamo de quarto
RandomE à noite, o único som que se ouve é o do teclado sendo judiado.