Lá vinha o trem. Rápido, barulhento, deixando sua trilha de fumaça e cinzas pelo caminho. Queria chamar a atenção. Eu sentado no banco esperando por ele, enquanto tomava café em um copinho de plástico. A saudade já apertava meu peito. Apertava de uma forma dolorosa. Sentia que ela me dizia: "fica, sua vida não vai dar certo em outro lugar, uma hora você vai acabar voltando mesmo". Talvez fosse verdade. Esvaziei meu coração para tentar uma vida nova. Estava disposto deixar para trás sonhos, desejos, amigos, objetos. Tudo para embarcar em um trem rumo ao desconhecido. Disposto a tentar logo na primeira noite criar novos sonhos, fazer um amigo e ter algumas poucas coisas para enfeitar meu apartamento.
Meu café acabou, comecei a observar as pessoas em volta. Tinha uma mulher com uma criança no colo, chorosa. O homem ao lado deveria ser o pai, estava com uma daquelas bolsas para carregar os pertences da criança. Mais à frente um velho muito bem vestido, com uma bengala pendurada no braço e sua mala no chão encostada na perna. Um dos pés batia inquieto no chão, talvez pela demora do trem. Do meu outro lado, uma garotinha chorava pedindo para que a mãe comprasse um doce. É, cada um com seus problemas. Eu sentia que todos por ali estavam pensando em algum problema. Podia ver em seus rostos. Como eu sei disso? Bem, minha vida casou-se com minha indecisão, isso me gerou incontáveis problemas. A ponto de eu chegar em casa todas as noites, olhar no espelho do banheiro e ver uma figura acabada, triste e louca por um descanso. Cada um expressa seus sentimentos de uma maneira, mas a face de cada sentimento é sempre a mesma.
O trem chegou, começamos a embarcar. Ouvi gentereclamando que esqueceu ou perdeu a passagem. Dei um risinho torto, maldademinha. Mas aprendi que é feliz aquele que sabe rir da desgraça. Não se sabequando ela vai bater em sua porta e pedir um copo d'água. Ela bateu na minha eeu neguei o pedido. E para não sofrer as consequências, fui embora. Sou umanova pessoa. Um velho que ficou novo. Um novo que fugia da velhice. Alguém queembarcava em um trem cheio de pessoas, muitas delas vazias de si, assim comoeu.
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Essa toca que chamo de quarto
RandomE à noite, o único som que se ouve é o do teclado sendo judiado.