Sexta, dez da noite e alguns quebrados. Eu assistia as gotículas de água se formarem na lateral do copo que continha meu gin. Havia colocado muito gelo. Não é a maneira adequada de se tragar um destilado, mas quis abafar o vapor de álcool que entraria em meu nariz. À minha frente, você segurava o queixo com o dorso da mão. Entre seus dedos, seu cigarro de cereja queimava lentamente. A tímida e fina fumaça que subia tremulava logo ao passar próximo aos seus olhos. O único som que surgia, com certa frequência, era o do meu copo batendo contra a mesa, após um leve bebericar da minha parte.
Um final desagradável, quieto, após uma exaltada, porém necessária, discussão. Poucos minutos depois, assisti você se levantar e se retirar. Apesar do estresse, fechou a porta com cuidado. Trancou com minha chave e jogou-a por cima da janela.
Usei a cadeira, até então ocupada por ti, como apoio para os pés. Assim permaneci, por horas. Praticamente imóvel. Mudo. O gin esvaiu-se, o álcool se instalou. A saudade se fez presente.
As cinzas do seu cigarro caíram acesas na mesa. Logo, a madeira criou pequenas brasas, que criaram um buraco no móvel, conforme caminhei noite à dentro.
Eu não tinha energia pra me mover. Deixei arder. Foi um bom entretenimento. Desviou o foco de outra queimadura: essa que tu deixou em meu coração. Esse amor que senti por você, que era brando como brasas, mas ardente como um incêndio. Chama que ardia, mas, em certo momento, me queimou. Foi quando você decidiu partir. E eu não pude fazer nada. O fogo apenas cessou quando minhas lágrimas lavaram minha alma. Hoje, meu coração ainda funciona, mas, assim como tu deixaste uma marca em minha mesa, deixou uma, dolorosa, em mim.
Mas, está tudo bem. Eu acho que dá pra recuperar. Queimaduras cicatrizam. Doem, leva tempo. O gin me fará companhia até lá.
Fui até a porta. Peguei a chave e a abri. Você ainda estava sentada em frente ao volante. De súbito, ligou a maquina e partiu. Foi a última vez que pude vislumbrar sua placa, que, por irônica trama do destino, sempre foram uma abreviação de "I Love You".
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Essa toca que chamo de quarto
RandomE à noite, o único som que se ouve é o do teclado sendo judiado.