Chovia. O grosso já havia passado. É como se os céus mandassem uma carga maior para limpar as ruas, calçadas, telhados. Assim, a fina chuva, que estaria por vir, poderia criar um ambiente mais agradável. Ao menos para aqueles que se indentificam com o tempo. O grave som da água quando cai, combinado ao vento, as corredeiras que se formam à beira do meio fio, gotinhas pesadas que escapam da calha, ou pingam da cortina que molhou por terem esquecido a janela aberta. Um singelo caos. Uma sinfonia, criada pela natureza, que se assemelha muito à certas mentes, como a minha. Muitos detalhes, fluxos constantes de desatenção, gotas de esperança que pingam e respingam sentimentos para todo lado. Sopros fortes de agonia, ralos depressivos que sugam tudo ao redor, sem piedade, sem motivo, apenas por estarem ali, no ponto mais baixo da minha psique, bocas de lobo que devoram qualquer resquício que sobrou da minha vontade de viver.
Mas, eu não me preocupo. A chuva há de passar. Ela sempre cessa, cedo ou tarde. Às vezes, é garoa. Se não, é tempestade. Não importa. Muda apenas a velocidade em que sou arrastado para meu túmulo. Ficaria grato, porém, que fosse uma passagem tranquila. Isenta de folhas pelo caminho, galhos soltos e jornais velhos e atrasados. Não quero que cordas me segurem, tijolos me afundem ou que lâminas tinjam de vermelho a água em que estou. Quero flutuar, sentir o molhado no rosto e ter permissão de ver o céu, que irá me acompanhar em minha jornada, até que tudo se torne escuridão.
Então, somente nesse momento, a chuva irá, de fato, cessar. Minha vida não terá ido pelo ralo, pelo contrário. Eu terei transbordado e inundado o mundo com minha alegria e carisma. Terei mostrado que, a vida, assim como a chuva, passa, e que devemos aproveitar cada pingo que surgir, antes que esses se esvaiam.
Molhem-se.
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Essa toca que chamo de quarto
RandomE à noite, o único som que se ouve é o do teclado sendo judiado.