IAN
Deve ser a terceira vez que checo a hora e ela continua a mesma. Os segundos passam na pequena tela, mas parecem estranhamente lentos.
Prendo um suspiro impaciente, e forço minha atenção para o casal à minha frente.
Meus pais parecem se obrigar a manter uma conversa amigável, enquanto cada um espalha a comida no prato.
Minha atenção volta para o meu próprio prato, e percebo que estou fazendo exatamente o mesmo.
A carne está ótima. É realmente uma das melhores que já comi. Mas o clima desconfortável com os meus pais acaba envenenando a comida, e me tirando qualquer vontade de comer.
É sempre assim nesses encontros.
Desde que anunciaram a separação quando eu tinha 16 anos, nós nos encontramos no mesmo restaurante uma vez no mês para tentar ser uma família comum.
Acho que a ideia inicial era manter a nossa relação familiar. Mas como manter algo que nunca tivemos?
Meus pais raramente estavam em casa. Minha mãe dizia que ficar em casa a estressava, então estava sempre viajando. Já meu pai, tinha sempre negócios a resolver, e era raro o mês que ele lembrava de casa.
Nos primeiros encontros eu vinha com a minha mãe, até ter idade suficiente para sair de casa e vir para esses encontros tediosos sozinho.
– A comida não está boa? – meu pai pergunta.
Por um curto segundo penso que a pergunta é dirigida a minha mãe, até perceber que eles se ignoram sempre que podem.
Ergo os olhos do prato e encontro meu pai me observando.
As vezes me assusta vê o quanto pareço com ele.
Os mesmos fios escuros, os mesmos olhos pretos, e a mesma mania irritante de traçar a sobrancelha com o polegar em momentos tensos ou desconfortáveis.
No fundo torço para que só tenha herdado essas coisas.
– Está.
– Você mal comeu. – ele indica o prato quase intocado na minha frente.
– Eu não sou o único. – aponto para o dele.
Meu pai se endireita mais sobre a cadeira, como se tivesse percebido que não pode relaxar quando está perto de mim. Ou talvez ele esteja tentando me intimidar com sua postura, e me lembrando que ainda é o meu pai, embora raramente haja como tal.
Como se eu pudesse esquecer quem ele é.
– Comi antes de sair de casa. – ele se explica.
– Comeu antes de vir a um restaurante? – pergunto, incrédulo, mas com um leve toque de sarcasmo.
Quem come antes de ir a um restaurante?
– Não seja engraçadinho, Ian. – ele cospe.
– Não tentei ser. Só fiz uma pergunta.
– Ian. – minha mãe intervém.
É sempre assim. Não importa quantos encontros tenham, eles sempre são os mesmos.
Só há tensão, raiva contida e falta de apetite.
A minha presença não importa ali. Na verdade, essas malditas reuniões não importam. Não somos uma família comum. Meus pais se casaram por dinheiro, e quando perceberam que nem isso servia mais para mantê-los juntos, se separaram.
Agora cada um vive sua vida feliz em um lugar diferente, e eu não poderia estar mais feliz em viver longe dos dois.
– Eu preciso ir. – digo, chamando atenção dos meus pais.
Minha mãe me olha com surpresa, enquanto meu pai me censura.
– Mas o jantar ainda não acabou. – ele responde.
Estamos a uma hora alisando o mesmo prato de entrada, e ignorando uns aos outros... É, eu acho que acabou sim.
– Está tudo bem. Nós temos o do mês que vem. – respondo.
Jogo meu guardanapo sobre a mesa, e me levanto.
Saio sem nem ao menos me despedir.
Há algo mais importante que eu preciso fazer nesse momento.
***
Preciso checar o endereço duas vezes para ter certeza que parei no lugar certo.
Na mensagem a Bonnie diz que é numa boate, mas o lugar do lado de fora da minha janela não parece nada com uma. Não tem som, e nem o entra e sai de pessoas bêbadas.
Há apenas um segurança, e ele parece mais interessado no celular do que na porta.
Checo o endereço pela terceira e última vez, e quando confirmo que estou no lugar certo, saio do carro.
O vento me cumprimenta enquanto atravesso a rua, algo que o segurança não faz quando chego até a porta.
Ele continua jogando no celular, e preciso limpar a garganta para ele me notar.
– Boa noite. É aqui que está rolando uma festa de aniversário?
– Depende. Você foi convidado? – ele questiona.
– Fui.
Ele não parece convencido com a minha resposta, e seus olhos me analisam da cabeça aos pés, como se esse gesto fosse o suficiente para me desestabilizar.
Com o pai que tenho, isso não é nada.
Cresci sob pressão, e não é o olhar arrogante de um cara que vai me incomodar.
– Então? Posso entrar?
Ele apoia a mão livre sobre o joelho, pegando impulso para se apoiar sobre as pernas, e então solta um suspiro.
Espero que me responda, mas ele simplesmente volta sua atenção para o celular.
Quando penso que voltou a jogar, ele pergunta:
– Nome?
– Ian.
Seus olhos passeiam pela tela, e com um gesto de cabeça ele me libera.
– Pode entrar.
Passo por ele e abro a porta larga. Uma música berrante explode no mesmo segundo, enquanto me apoio pelas paredes na tentativa de me localizar.
Finalmente a escuridão dá lugar a luz...ou, as luzes.
Um jogo de luz ilumina o salão, enquanto uma multidão se agita.
As pessoas gritam, riem, dançam... É uma sensação tão contagiante, que automaticamente sinto vontade de me infiltrar na bolha de animação.
Avanço pela massa dançante, buscando pelo motivo de eu estar aqui.
Achei que ela seria a primeira coisa que eu veria quando chegasse aqui. Mas ainda não há nenhum sinal dela.
Algumas garotas me olham com interesse no olhar, mas apenas finjo que não percebi e continuo meu caminho.
Preciso encontrar a Bonnie.
Desvio de uma ou duas pessoas que parecem distraídas demais para notar por onde andam, e vasculho o lugar à procura dela.
E então eu a vejo.
Bonnie está dançando com as amigas, e ela parece tão feliz, que simplesmente paro e a observo dançar.
Ela rodopia ao redor das amigas, lançando seus fios escuros ao vento. Seus olhos transmitem o mesmo sorriso que seus lábios, enquanto ela balança os quadris e ergue os braços sobre a cabeça.
Ela é tão linda, que parece uma doce miragem.
E quando em dou conta, já estou seguindo meu caminho até ela.
Sua amiga é a primeira a me ver.
Ela sorri, e então vejo seus lábios se moverem.
Nem preciso ouvir suas palavras para saber o que disse.
Um segundo depois Bonnie vira o rosto, seus olhos me procurando; e quando enfim se pousam em mim, ela solta um grito animado e corre na minha direção.
Eu me sinto feliz enquanto a vejo avançar. É bom saber que ela está feliz em me ver.
Quando seus delicados braços se fecham ao redor do meu pescoço, estou sorrindo como se não fizesse isso há dias.
– Achei que você não vinha mais. – ela reclama, e sua expressão deixa claro que eu teria problemas se não tivesse vindo.
– Desculpa. Precisei jantar com os meus pais. – explico.– Eu te deixei uma mensagem avisando.
– Deixei o celular em casa. – ela responde sem jeito.
Desconfiei disso depois de meia hora sem reposta.
Solto uma risada e aperto delicadamente sua bochecha.
– Eu desconfiei. – admito. – Mas então... Eu não sabia o que dar de presente para os seus irmãos, então comprei isso. – tiro o envelope dobrado ao meio do meu bolso. – São ingressos para o próximo jogo.
É uma tarefa extremamente complicada comprar presentes para pessoas que não conhece. Eu não fazia nenhuma ideia do que dar aos irmãos da Bonnie.
Pesquisei algumas ideias na internet, e já estava quase desistindo e indo pedir a ajuda dela, quando li uma notícia sobre o próximo jogo, e percebi que, como os irmãos dela são jogadores de futebol americano, amam esse esporte.
Que presente melhor do que esse?
– Ele vão adorar. – ela responde, e solto um suspiro exagerado. Ou pelo menos, uma parte dele.
É satisfatório saber que acertei no presente.
– Então onde estão os aniversariantes?
Ela desvia sua atenção de mim, e procura pelos irmãos entre a multidão.
Não deve ter se passado nem cinco segundos, quando ela agarra minha mão e me arrasta pela boate com um simples “ vem comigo” por sobre o ombro.
O primeiro que ela encontra é o Thomas, e pelo que sei sobre ele, ele é mais novo dos gêmeos e o mais sarcástico.
Seu olhar entrega todo seu deboche, enquanto ele me avalia rapidamente e me cumprimenta com um aperto de mão firme.
Ele confirma meu pensamento quando se refere a mim como o “ cara do carro”, o que me deixa confuso por alguns segundos, até a Bonnie explicar que ele nos espiou uma noite quando a fui deixar em casa.
Eu nem consigo achar estranho. Só penso em como fico feliz pela Bonnie ter irmãos que se preocupam com ela, a ponto de observarem com quem ela anda.
Acho que se eu tivesse irmãs, também me preocuparia.
Depois de entregar os ingressos para o Thomas e a namorada, Bonnie me puxa para longe quando o irmão parece prestes a encher a namorada de beijos.
Ela admite que prefere não saber o que os irmãos fazem quando ela não está por perto.
Eu também não iria querer saber.
Nós dançamos enroscados um no outro, enquanto eu tento convencê-la a dançar, e ela tenta me persuadir a mostrar minha nova tatuagem.
Eu até digo que em breve vou mostrar, mas isso não vai acontecer tão cedo.
Se eu não mostrar, ela vai continuar insistindo, e para insistir, ela deve estar perto.
Ela parece preparada para cobrar essa promessa, e eu só consigo pensar em como minha boca sente falta da dela.
Aproximo meu rosto do seu, e quando estou quase sentindo seus lábios, ela vira o rosto, fazendo com que eu beije a bochecha.
A confusão e o medo me atingem ao mesmo tempo.
Será que eu falei o que não devia?
– O que foi? – pergunto. Mas então me dou conta de onde estou e com quem estou. É uma festa com pessoas da escola da Bonnie, o que significa que há uma grande chance dele estar aqui. Ethan. – Ele está aqui?
Seus olhos me fitam com surpresa, até ela assentir.
Tenho dificuldade de raciocinar por alguns segundos, e minha única reação é fechar ainda mais meus braços ao redor dela.
É uma resposta automática.
– Você vai me apresentar a ele? – me surpreendo com minha própria pergunta.
Eu quero ver o que estou enfrentando, mas ao mesmo tempo não quero conhecer ele.
Então porquê perguntei isso?
Não quero saber o rosto desse cara. Tenho medo de agir por impulso e fazer alguma besteira.
O melhor é não saber nada sobre ele. Até o nome eu queria esquecer.
Então quando ela me pergunta se eu quero conhece-lo, apenas nego com a cabeça.
Foi uma ideia ridícula.
Gritos frenéticos chamam minha atenção, e quando procuro pelo motivo, encontro um círculo fechado virado para o lado oposto ao qual estamos.
Bonnie parece saber exatamente o que está acontecendo, e no segundo seguinte está me arrastando em meio a multidão, até ficarmos cara a cara com um pequeno grupo de garotas dançando.
A multidão vibra ao nosso redor, enquanto as três garotas fazem uma coreografia bem ensaiada.
Olho para a garota ao meu lado, e ela parece tão feliz quanto as três no meio do círculo.
Quando a música acaba, outro trio toma o lugar, enquanto a multidão berra.
– É o seu grupo? – pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
O orgulho é nítido no rosto dela.
– É. – Bonnie responde.
– Elas mandam muito bem. – lhe asseguro.
Mas ao invés dela se sentir satisfeita, Bonnie parece desafiada.
– Você ainda não viu nada. – ela responde.
E definitivamente, eu não tinha visto nada.
Quando chega a vez da Bonnie, é como se eu tivesse sido transportado para um show particular.
Ela é a adrenalina pura.
Seu rosto e corpo parecem conectados com a música, enquanto ela dança com cada fibra do seu ser.
É contagiante.
Me sinto hipnotizado enquanto ela se move.
Não há nada que me chame mais atenção do que a Bonnie.
E é nesse momento que percebo o quanto estou apaixonado por ela.
Postando capítulo atrasado 😅, mas essa semana foi extremamente corrida pra mim.
Como eu tinha falado alguns capítulos atrás, eu vou casar. Deveria ser em março, mas por conta do decreto foi adiado. Por isso, meu casamento vai ser na semana que vem, e por isso eu tive dificuldade em escrever. Estou resolvendo os preparativos finais, e tá sendo muita loucura e correria.
Por esse mesmo motivo não vai haver capítulo na semana que vem💔. Mas volto na outra.🌼❤️
Se cuidem!!
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A barraca do beijo 2
RomanceHISTÓRIA SOBRE OS FILHOS DO NOAH E DA ELLE. Iniciada em : 30 de maio de 2020. Bonnie pode ser confundida com uma típica garota do colegial. É bonita, popular, e poderia facilmente conseguir qualquer cara que quisesse. Exceto, que o único cara que c...