Porque eu não quero alguém pela metade.

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BONNIE

Assim como qualquer pessoa, eu tenho uma pequena lista de micos e posso até dizer que sou uma colecionadora deles.
Já falei o que não devia, já ri em momentos errados...mas até então, nada havia superado minha queda aos 8 anos, numa apresentação de dança na frente de toda a escola.
Mesmo com quase 10 anos depois, nada parecia substituir minha queda como primeiro lugar na minha lista de micos. Eu já estava acostumada com isso, e claro que não devia. Era óbvio que algo ia acontecer e destronar esse mico. Só nunca imaginei que seria um fora, e pior, publicamente.
Eu não sei o que fazer ou dizer. Estou no modo estátua, encarando o Ethan como se nem o conhecesse.
Eu sinto vontade de afundar na água e sair nadando pra longe dali. Talvez eu consiga fugir pra uma ilha e viver como náufraga  até os fins dos meus dias. Talvez eu possa simplesmente sair dali e fazer uma cirurgia. Vou mudar o meu rosto, pintar meu cabelo de loiro, e atender pelo nome de Kate  Hudson.
Ah, não! Ela já existe.
Então talvez, eu possa afogar o Ethan na piscina, e não precise olhar nunca mais para a cara dele. Eu vou viver minha vida normalmente, sem um Ethan Jones para me lembrar diariamente do meu mico. Vai ser perfeito.
Ótimo! Agora só preciso afogá-lo.
O que não vou fazer, claro. Não por falta de vontade, mas porque não quero ser presa e atormentada por matar alguém.
Então só me resta a última opção: ser madura e fingir que está tudo bem. Como um sábio filósofo disse uma vez: só sorria e acena.
Ou será que foram os Pinguins de Madagascar?
- Sério? – pergunto, forçando um falso sorriso. – E por que você não disse isso antes? – meu falso humor se perde nas primeiras palavras, e no fim, só resta a raiva.
Ah, Ethan Jones, você tá na minha lista negra.
Ele solta um suspiro e massageia a nuca com a mão.
Deixa eu massagear com uma corda? Mas eu posso usar as mãos também, só não garanto soltar depois.
- Eu tentei, é só que... é complicado.
- Bastava dizer : “ Eu tenho uma namorada.”. O que tem de complicado nisso, Ethan? – grito, e ele olha nervoso para os nossos amigos.
Nesse momento eu até esqueço que tem gente nos ouvindo.
Viro meu rosto e encontro nossos amigos nos encarando em silêncio, mas assim que notam meu olhar, desviam o rosto e começam uma conversa entre eles.
Dylan e Ava estão na espreguiçadeira um pouco atrás de nós, e sei que de todos eles, os dois são os que mais podem ouvir nossa conversa.
- Eu não sei se ainda tenho uma namorada. – ele responde impaciente.
Opa. O quê?  Acho que gostei dessa resposta.
- Como assim?
Ethan olha para o grupo na piscina, e  para o casal na espreguiçadeira, e então diz:
- A gente pode conversar em outro lugar?- pede.
- Ok.
Passo por ele e nado até a escada. Pego uma toalha de banho sobre o sofá e enrolo meu corpo. Quando olho na direção da piscina, Ethan está sacudindo o cabelo. Meus olhos se desviam para o grupo atrás dele, e vejo minhas amigas me lançarem um olhar culpado.
Podem se sentir culpadas mesmo. Vocês que me incentivaram a tentar algo com o boy. Olha aí no que deu.
Quando percebo que o Ethan está só me esperando, eu faço um gesto em direção a casa e ele assente.
Subo as escadas com pressa, e entro  em casa.
Solto um pequeno suspiro de alívio ao encontrar a sala vazia.
Subo as escadas em direção aos quartos, e espero no topo enquanto ele sobe.
- Me encontre no terceiro andar. Preciso passar no meu quarto.
- Tudo bem, mas pra onde eu vou?
- Sacada. É só virar o corredor à esquerda.
- Ok. – ele diz, e então sobe mais um lance de escadas
Desvio minha atenção de suas costas nuas, e pior...da sua bunda.
Ele tem dona, Bonnie.
Repito isso em minha mente, e caminho para o meu quarto.
Pego o primeiro short jeans que encontro pelo meu quarto, e subo para encontrá-lo.
Ethan está em pé, observando a vista. Suas mãos estão apoiadas no parapeito, enquanto ele encara a paisagem. Pelo menos ele escolheu o lado do jardim. Se tivesse ido em direção a piscina,  oito pares de olhos estariam em nós agora.
- Essa vista é incrível. – ele diz, sem se virar.
Não sei como ele sabe que estou aqui, já que eu não fiz nenhum barulho ao chegar.
- Eu também acho. Essa é a minha parte favorita da casa. – admito.
Eu adoro a sensação de ar fresco e liberdade. Aqui em cima é tudo tão aberto e tranquilo, que é como se estivéssemos flutuando sobre o chão.
- Acho que se eu morasse aqui, essa também seria minha parte favorita. – ele admite.
Ele observa a paisagem por mais alguns segundos, e então suas costas sobem com uma respiração profunda, e ele se vira para mim.
- Desculpa não ter te contado antes. Eu nem sabia direito o que te contar. Até agora eu não sei se tenho uma namorada ou não.
- E como isso é possível?- pergunto, e então me sento no sofá.
- Quando minha mãe decidiu se mudar, a Susan achou que seria melhor a gente dar um tempo.
Susan?
Então nada de irmã. É realmente uma namorada. Ou ex...
- Ela nunca acreditou em relacionamentos a distância. – ele solta uma risada baixa, tão concentrado em pensamentos, que é nítido que ele está relembrando momentos com ela, e isso me incomoda.
É estranho ter ele aqui, e ao mesmo tempo não ter. Seu corpo pode estar na minha sacada, mas sua mente está com ela.
- Então depois que... – ele para de repente, e então seus olhos parecem frios e seu semblante muda. Ethan parece com raiva, quase furioso. -...depois que algumas coisas aconteceram, minha mãe achou melhor ir embora. Eu não queria ir. Eu tinha amigos, escola, o time e...uma namorada. – ele responde de forma triste.  – Mas além de mim e da minha irmã, minha mãe não tinha nada. Então eu vim.
Oh, então ele de fato tem uma irmã.
- Não sabia que você tinha uma irmã.
- Tenho. – ele sorri pela primeira vez. – O nome dela é Emma.
- E a Emma veio?
- Não. – seu sorriso morre. – Ela vai casar em alguns meses. E como o noivo é de Ventura, assim como toda a vida dela, ela resolveu ficar.
Eu quero perguntar o que aconteceu e entender porque o Ethan e a mãe se mudaram. Quero entender o que foi tão grave, ao ponto dele não conseguir colocar em palavras.
Mas sei que não posso fazer isso. Não vou forçar a barra e pressionar para que me conte algo que visivelmente ele não está pronto.
Ele não quer falar sobre isso, e eu aceito.
O que me importa agora, é como está sua relação com a Susan.
Merda. Até os nomes deles combinam.
Ethan e Susan.
Droga!
- Me fala sobre a Susan. – peço.
Sei que parece loucura perguntar sobre a possível namorada do cara que eu quero, mas a verdade é que eu preciso conhecê-la. Preciso saber o que estou enfrentando.
-Ela é ótima. – ele diz logo de cara. – É o tipo de pessoa que você conversa sobre tudo.
Ele namora uma terapeuta?
- Ela é carinhosa...
Ah, eu sou um pouquinho.
-... bondosa...
Acho que ainda tenho um restinho.
-... paciente.
Fudeu, isso tá em falta há anos. Talvez nunca nem tenha tido.
Droga, essa garota é quase uma santa. Já eu...sou cheia de remendos.
- Ela é...
Não diz perfeita.
- ...perfeita.
Prendo um palavrão e forço um sorriso meigo.
Você é uma garota legal, Bonnie.
- Você gosta dela. – solto, e me arrependo no mesmo segundo.
O que eu tenho na cabeça? Tô tentando conquistar o boy, e lembro ele dos seus sentimentos pela outra?
- Gosto. – ele sorri. – Eu a conheço há anos. Eu... a amo.
Que legal! Depois disso eu já posso até desistir.
Quando ele percebe o que acabou de dizer, seus olhos se fixam no meu rosto e ele parece culpado.
- Desculpa, eu não devia ter dito isso.
- Você não tem que me pedir desculpa por amar sua namorada. – respondo, mesmo que meu coração esteja doendo.
- Mas a questão é justamente essa. – ele bufa. – Será que eu ainda tenho? – Ethan me encara, como se eu soubesse a resposta pra sua pergunta.
- Você tá perguntando pra garota errada.
Observo seus olhos caírem para o chão, e ele soltar um suspiro cansado.
- Toda vez que pergunto, ela diz a mesma coisa :“ Relacionamento a distância não dá certo. Não quero privar você de nada.” Mas do que ela não quer me privar? O que ela acha que eu vou fazer aqui?
Penso em apontar para o pessoal lá embaixo, e dizer que ela não queria impedir que ele se divertisse e conhecesse outras pessoas. Mas percebo que isso seria um erro. Seria como uma insinuação de que ele deveria seguir em frente e tentar algo com alguém...ou comigo.
- Ela só tá pensando você. – me pego a defendendo.
- É a cara dela. – ele balança a cabeça.
Então ele caminha com passadas largas até o sofá onde estou, e se senta.
Sua cabeça pende para a frente, e ele a apoia sobre as mãos.
- Essa situação é tão complicada. – ele resmunga.
Meus dedos coçam para tocá-lo. Quero passar minha mão sobre suas costas, quero lhe dar conforto...mas me contenho.
- Converse com ela, Ethan . Diga como se sente.
- Não posso fazer isso. – ele me encara.
- Por que não?
- Porque eu sinto algo por você. – ele diz com tanta certeza, que meu ar se perde e minha respiração prende no peito. – Eu sei que é loucura dizer isso, até porque a gente se conhece há uma semana, mas...eu sinto algo por você, Bonnie. E como não poderia sentir? Você é linda, determinada, provocante.
Meu coração salta no peito e meu corpo todo aquece.
Continua.
- Mas tudo isso é tão confuso. – ele parece derrotado.
Ele se ergue do sofá e caminha novamente para o parapeito, dessa vez o do lado da piscina.
- Eu sinto como se estivesse traindo ela por ter esse sentimento por você.
Já pode parar.
- Ela não merece isso. – Ethan resmunga.
E nem eu.
Mesmo que ele sinta algo por mim,  não é nada comparado ao que ele sente por ela. Como ele mesmo disse, ele a conhece há anos. E eu sou apenas uma garota que ele conheceu há uma semana e está tentando se meter no meio deles.
- Eu tenho a solução perfeita.- digo, e então me levanto.
Ele observa meus movimentos em silêncio, enquanto caminho até ele.
- A convença a voltar com você, Ethan .
Sua testa franze, e ele me olha como se não tivesse entendido direito o que acabei de dizer.
- Você a ama. Não importa o que você sente por mim, porque é dela que você realmente gosta.
Eu poderia pedir uma chance e tentar a sorte. Quem sabe eu conseguiria fazer ele esquecer ela. Quem sabe eu o faria mais feliz.  Mas seria burra se acreditasse nisso.
Há uma chance bem grande de eu me dar mal nessa história toda. De entrar de cabeça num relacionamento com alguém, que admitiu amar outra pessoa.
Eu quero alguém por inteiro, não só algumas partes.
- E como ficamos? – ele pergunta, seus olhos analisando meu rosto.
- Seremos amigos. – respondo com um sorriso.
Ele não parece convencido, e no fundo, nem eu estou .
- Isso, claro, se você conseguir resistir a mim. – faço um olhar sedutor exagerado, e ele revira os olhos com um sorriso bobo no rosto.
- Vou tentar. – ele brinca, e abro um sorriso.
- Bom, preciso voltar. As meninas devem estar perguntando por mim.
O sorriso dele morre, e ele olha por sobre o ombro em direção a piscina.
- Claro. – ele responde. – Mas antes...você pode me dar um abraço? – quando percebe minha hesitação, ele completa: - Amigos se abraçam. – ele lembra, e solto uma risada.
- Claro. – reviro os olhos,  então dou um passo em direção a ele, e circulo seu pescoço com os braços.
Seus braços são firmes na minha cintura, e como se não bastasse sentir seu corpo quente e firme contra o meu, ainda preciso aguentar sua cabeça entre o meu pescoço.
Ele me abraça apertado, como se não quisesse me soltar. E por mim tudo bem. Eu ficaria feliz aqui. Mas não posso.
Saio do seu abraço, e abro um sorriso.
- Vejo você lá embaixo. – digo com um sorriso amarelo. E antes que ele possa dizer alguma coisa, caminho em direção a saída, e corro pelas as escadas. Só paro quando já estou caminhando na beira da piscina.
Faith, Ava e Gena caminham até a mesa de petiscos, e sei que é apenas uma desculpa para falar comigo.
- Então? Rolou alguma coisa?  - Faith pergunta com um sorriso safado.
- Não. – respondo.
Ignoro as expressões confusas e pego um copo com água.
Bebo todo o líquido como desculpa para não falar. Mas claro que é desnecessário.
- Por que não? Eu vi que rolou até um abraço. – Gena parece atordoada.
- Aquilo? Foi um abraço de despedida.  Acabei de mandá-lo de volta para os braços da Susan.
- Então a tal de Susan é realmente a namorada dele? – ela pergunta.
- É.
- E por que você fez isso?- ela quase grita.
- Gena. – Ava a tranquiliza.
- Porque eu não quero alguém pela metade.

A barraca do beijo 2Onde histórias criam vida. Descubra agora